S ABER & EDUCAR 31(2) / 2022: “100 ANOS DE PAULO FREIRE: PRÁTICAS, APRENDIZAGENS E PESQUIS AS”

PROFESSORAS FORMADAS, TRABALHADORAS EMANCIPADAS: UMA ANÁLISE

DO CONCEITO DE AUTONOMIA DE PAULO FREIRE COM O PROCESSO DE FEMINIZAÇÃO DO

MAGISTÉRIO

Mayra Silva dos Santos

1

Universidade Federal de São Carlos


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Resumo:


O livro Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire traz consigo reflexões a respeito da educação como forma de emancipação, construção e de libertação do sujeito. Assim, tomando como ponto de partida a afirmação de Freyre sobre o poder emancipador e libertador da educação, esse trabalho tem como objetivo articular o conceito de autonomia de seu livro Pedagogia da Autonomia com o processo histórico, social e cultural denominado feminização do magistério. Iremos relacionar as ideias de Paulo Freire (2022) com as mudanças sociais, políticas e econômicas que atribuiu às mulheres, sua presença majoritária na profissão docente. A pesquisa é do tipo bibliográfica. Em uma perspectiva analítica e descritiva, utilizamos Almeida (1998), Louro (2004),

Rosa (2011), Yannoulas (2013) e Oliveira (2017) dentre outros autores que discutem sobre a temática de feminização da profissão docente e sobretudo a obra Pedagogia da Autonomia do educador, Paulo Freire (2002). Afirmamos que a feminização do magistério representou um potencial de vida, de poder, de libertação e de autonomia para mulheres, tendo em vista que a gênese da educação no Brasil se fez por meio de imposições de grupos dominantes para dominados, propalando ideais e papéis que deveriam ser desempenhados por determinados grupos no meio social.


Palavras-chave:

Feminização; Magistério; Autonomia


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DATA DE RECEÇÃO: 2022/08/27

2

DATA DE ACEITAÇÃO: 2022/12/12

Abstract:


S ABER & EDUCAR 31(2) / 2022: “100 ANOS DE PAULO FREIRE: PRÁTICAS, APRENDIZAGENS E PESQUIS AS”

The book Pedagogia da Autonomia by Paulo Freire brings with it reflections on education as a form of emancipation, construction and liberation of the subject. Thus, taking as a starting point Freyre’s statement about the emancipating and liberating power of education, this work aims to articulate the concept of autonomy in his book Pedagogia da Autonomia with the historical, social and cultural process called feminization of teaching. We will relate the ideas of Paulo Freire (2022) with the social, political and economic changes that he attributed to women, his majority presence in the teaching profession. The research is of the bibliographic type. In an analytical and descriptive perspective, we use Almeida (1998), Louro (2004), Rosa (2011), Yannoulas (2013) and Oliveira (2017) among other authors who discuss the theme of feminization of the teaching profession and especially the work Pedagogia of the Autonomy of the educator, Paulo Freire (2002). We affirm that the feminization of the teaching profession represented a potential for life, power, liberation and autonomy for women, considering that the genesis of education in Brazil was made through impositions of dominant groups for dominated ones, propagating ideals and roles that should be performed by certain groups in the social environment.


Keywords:

Feminization; Teaching; Autonomy


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Considerações

iniciais

Paulo Freire um dos grandes pensadores do campo educacional brasileiro considera a educação como forma de emancipação do sujeito e elemento fundamental do processo de formação humana. Para ele, o processo educativo torna-se revolucionário na medida em que o sujeito, toma consciência crítica de sua condição histórica e social, buscando, dessa forma construir possibilidades de transformações de suas condições.

S ABER & EDUCAR 31(2) / 2022: “100 ANOS DE PAULO FREIRE: PRÁTICAS, APRENDIZAGENS E PESQUIS AS”

Seu livro Pedagogia da Autonomia apresenta reflexões sobre a compreensão da prática educativa como elemento essencial na formação do educando. A educação é vista como processo de transformação do sujeito e por fim, como prática formadora da liberdade e autonomia do educando. Como mencionado, essa liberdade tão citada por Freire, permite que os sujeitos sejam capazes de transformar sua realidade, modificando, os elementos para sua própria constituição Paulo Freire (2002).

Sabemos que, o público feminino passou por um longo processo de exclusão e inferiorização, causado principalmente pela falta de instrução e de participação na esfera social, política e econômica em nosso país. Isso foi influenciado, majoritariamente pelas ideias européias que eram propaladas no espaço brasileiro desde o período colonial. No plano educacional, as mulheres só receberam mais oportunidades no século XIX, na esteira dos ideais positivistas e republicanos que passaram a defender uma escolarização para o público feminino. Aos poucos acompanhando a inclusão das meninas na educação e as necessidades de regimento das salas femininas por mulheres, aliado a fatores econômicos e políticos da época, a atividade docente, inicialmente praticada por homens, passou a ser exercida ao majoritariamente por mulheres, ocasionando o processo que ficou conhecido como feminização do magistério (Almeida,1998).

Pesquisas de Louro (2004) e Almeida (1998) discutem que, até a metade do século XX, o magistério primário no Brasil já havia sofrido um processo de feminização, tanto pela quantidade de mulheres que frequentavam as Escolas Normais, como pelas moças que já exerciam o magistério. A presença feminina nesse nível de ensino aconteceu, especialmente, num momento em que o campo educacional se expandia em termos quantitativos.

É nesse sentido, que esse estudo pretende abordar o conceito de autonomia de Paulo Freire com o processo de feminização do magistério, relacionando a entrada e a permanência massiva das mulheres na profissão docente como elemento primordial no contexto de formação e emancipação da mulher, como sujeito dotado de liberdade e autonomia social, económica e política.

Utilizamos a pesquisa do tipo bibliográfica para realização da pesquisa. Fonseca (2002), explica que, a pesquisa bibliográfica, tem como finalidade o recolhimento de informações e conhecimentos prévios sobre determinado tema e/ou problema a partir de referenciais teóricos já publicados e analisados.

Por meio da obra Pedagogia de Autonomia do educador Paulo Freire (2002), realizamos uma análise crítica do conceito de autonomia da obra e relacionamos com as discussões sobre a feminização do magistério. Para entendimento do conceito de feminização fazemos uso das ideias de Yannoulas (2013). Já estudos de Almeida (1998), Louro (2004), Rosa (2011) e Oliveira (2017), nos ajudaram a compreender a constituição do processo ao longo do tempo. Segundo essas autoras, a feminização da profissão docente, sobretudo na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental representou um ponto de partida na vida social e profissional das mulheres.

Segundo Almeida (1998), é certo afirmar que foram muitos os fatores que contribuíram para a inserção da mulher no magistério. Contudo, é necessário ater-se a ideia que, o público feminino, também reivindicou sua entrada nesse campo profissional, conseguindo ocupá-lo em poucas décadas. A autora também diz, que a inserção da mulher nesse espaço contribuiu, via trabalho remunerado, para promoção da mulher dentro das relações sociais. Esse primeiro reconhecimento seria uma porta de entrada para as conquistas posteriores, como uma certa independência econômica e pessoal ligados à educação, maternidade e direito ao voto.

Nessa perspectiva Paulo Freire (2002, p.7), já nos dizia, “é necessário assumirmos uma postura vigilante contra todas as práticas de desumanização’’. Para o autor, uma educação capaz de questionar práticas autoritárias, construída a partir de um posicionamento crítico contra todas as práticas opressas e violentas, se constituem como caminhos para a busca da autonomia e da liberdade social, educativa, política, cultural e económica do sujeito.


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A Feminização

do Magistério: Discussões Sobre o Conceito

Para melhor compreensão desse processo gradual de composição do professorado, fazemos análise das ideias de Yannoulas (2013). Segundo a autora, a feminização de uma determinada atividade profissional acontece por meio de dois processos indissociáveis: a feminilização e a feminização. Nessa perspectiva, a feminilização é entendida como o processo de crescimento do número de mulheres em determinadas atividades profissionais. Já a feminização é compreendida como um fato que transcende a feminilização, sendo efetivado, quando ocorrem alterações mais práticas nos ofícios a serem realizados.

O primeiro está voltado ao aspecto mais quantitativo. O segundo está vinculado as mudanças simbólicas no significado da profissão, sendo o segundo aspecto, uma ampliação do primeiro, assim como explica a autora,

O segundo significado inclui e expande o primeiro significado, sendo ambos diferentes, porém, complementares. O segundo significado alude a uma compreensão mais ampla e sofisticada dos processos de incorporação de mulheres em uma determinada profissão ou ocupação, porque além de descrever a entrada delas no campo profissional ou ocupacional, tenta explicar as razões que permitiram essa entrada. (Yannoulas, 2013, p. 283)


Yannoulas (2013) declara nesse sentido, que existe uma relação entre o acesso massivo feminino em uma profissão e a progressiva transformação qualitativa da mesma. Em termos gerais, a autora explica que só é possível compreendermos o crescimento quantitativo feminino (feminilização), se analisarmos as razões que ocasionaram a feminização enquanto fenômeno. No Brasil, esse processo foi gradual, efetivado de maneira mais significativa nas primeiras décadas do

século XX. Nesses termos, já no final da década de 1920 e início da década de 1930, a maioria das pessoas que exerciam o magistério primário eram mulheres. Neste período, segundo dados do Anuário Estatístico do Brasil (1959), das 183.056 pessoas que exerciam a atividade docente no Brasil, 93,1% eram mulheres. No ano de 1950, das 140.525 professoras, 104.348 delas lecionavam em escolas primárias. Isso demonstra que, na segunda metade do século XX, o exercício do magistério, principalmente no ensino primário1, já havia passado por um processo de feminização caracterizado, principalmente, pela presença massiva de mulheres que ocupavam esses postos.


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O Conceito de Autonomia de Paulo Freire:

A feminização do magistério como forma de emancipação da mulher

Durante o século XIX e XX, as mudanças econômicas e sociais ocasionadas pela implantação do regime republicano no país, o processo de urbanização e industrialização, a eclosão das primeiras reivindicações femininas e as conquistas tecnológicas que difundiram os meios de comunicação ocasionaram uma tomada de consciência das desigualdades sociais


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  1. – É importante dizer que na época, o nível de ensino com maior oferta era o primário.

    e da opressão por parte das mulheres. Almeida (1998, p. 27) explica também que,

    No mundo ocidental mais desenvolvido, a constatação da capacidade feminina para o trabalho fora do âmbito doméstico e o consequente ganho de autonomia que isso poderia proporcionar, mais as necessidades de sobrevivência ditadas pelas circunstâncias, iniciaram uma reviravolta nas expectativas sociais, familiares e pessoais acerca do sexo que até então estivera confinado no resguardo do espaço doméstico e no cumprimento da função reprodutiva.


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    Essas transformações foram muitas significativas para as mulheres, pois contribuíram para as mudanças ocorridas no papel e nos ideais propostos para o público feminino ao longo do tempo. A entrada massiva das mulheres para o exercício do magistério2 foi uma delas, e “possibilitou às mulheres, notadamente da classe média que se alicerçava no panorama socioeconômico do país, a oportunidade de ingressar no mercado de trabalho” (Almeida, 1998, p. 28). Conhecido como feminização do magistério, esse processo ocorreu notadamente no Brasil no momento de expansão do campo educacional. Isso ocorreu, logo após e em grande parte, dado pela promulgação da lei de 5 de outubro de 18273, onde as mulheres adquiriram direito à escolarização.

    Como podemos observar, a expansão da educação e escolarização feminina oportunizou às mulheres uma série de mudanças em seu cotidiano. Podemos afirmar que, a autonomia do público feminino começou no momento que passaram a ocupar por meio da educação escolarizada e do exercício do magistério, os espaços de socialização e de inserção no mundo do trabalho. Educação e docência, estão nessa perspectiva, como os espaços sociais aos quais as mulheres tiveram acesso e atuação mais cedo no mundo do trabalho. Nesse sentido, podemos afirmar que a educação trouxe oportunidades, liberdade e autonomia para as mulheres, assim como veremos a seguir.

    Inicialmente, no período colonial, as mulheres possuíam um ideal proposto de educação, mas em nenhum momento esse ideal educativo esteve preocupado na emancipação feminina e na formação

    intelectual das mulheres. É importante destacar, que apesar do magistério ter assumido contornos de maternidade e, alguns ideais de formação propostos para as mulheres, a expansão da educação de meninas por meio das escolas de primeiras letras e das escolas normais, foi o primeiro passo dado pelas mulheres a fim de adquirir instrução formal e ingresso na vida pública e mercado de trabalho.

    É nessa perspectiva, que a educação se torna essencial na vida do sujeito, na medida em que o ajuda a libertar- se da exclusão, da desumanização e da opressão que muitas vezes, a falta de conhecimento pode permitir ao educando. A expansão do ensino formal e da escolarização feminina representou isso, a defesa pela humanização feminina, a busca pela autoafirmação como sujeitos, mesmo que, representasse os ideais dos intelectuais da época. É como Paulo Freire (2002, p. 40) diz, “se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode”.

    A entrada da mulher para a profissão docente aconteceu timidamente acompanhando a inclusão das meninas na educação. Assim, a necessidade de mulheres para reger as classes femininas aliado a fatores políticos da época, possibilitou a abertura de um espaço profissional para o público feminino, onde as mulheres seriam as principais responsáveis pela instrução feminina. Esse processo foi logo se modificando e pouco a pouco as mulheres passaram a ocupar os cursos de formação.

    Segundo Rosa (2011), nos relatórios o número de mulheres matriculadas e formadas nestes cursos foi crescendo, tornando- se maior que o número de homens. Assim, aumento no número de alunas nos cursos normais, acabou modificando a pretensão das escolas, que era, sobretudo, formar professoras e professores. Consequentemente esse processo foi percebido nas salas de aula, onde as regências passaram a ser dirigidas exclusivamente por professoras.

    Porém, é importante ressaltar que a entrada massiva das mulheres não aconteceu de forma passiva, pois a pesar do desenvolvimento urbano e industrial que ampliou as oportunidades de trabalho aos homens, onde estes foram em busca de trabalhos mais bem remunerados, diferente do magistério que apresentavam salários mais baixos, muitos permaneceram na escolha do exercício do trabalho,


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  2. – É importante destacar que segundo Vasconcelos (2004) em meados do século XVIII e XIX, já vemos a atuação de mulheres como mestras particulares e preceptoras. Porém, só é visualizada a atuação de mulheres no espaço público como professoras regentes das classes a partir do final do século XIX e XX, com a expansão da escolari- zação feminina e o surgimento dos cursos de formação para professoras.


  3. – A primeira Lei de Instrução Pública, ao ser instituído por Dom Pedro I em 15 de outubro de 1827, possuía em seus principais objetivos a disseminação da instrução para os mais pobres, a fiscalização das escolas, a busca por um método de ensino e a contratação de professores qualificados. A primeira contribuição dessa lei foi de- terminar, no seu artigo 1°, que as escolas de primeiras letras deveriam ensinar para os meninos a leitura, escrita, as quatro operações de cálculo e as noções mais gerais de geometria prática. Às meninas, deveriam ser excluídas as noções de geometria. Aprenderiam, sim, os ofícios para a economia doméstica, que as preparavam para serem boas esposas, mães e mestras da casa (Ribeiro, 2002).

representando assim, um embate entre o feminino e o masculino na profissão. Almeida (1998, p. 64) diz que A inserção profissional das mulheres no magistério não foi aceita tranquilamente pelos homens que exerciam a profissão porque isso significava a perda de um espaço profissional.

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Pensar que o processo de feminização do magistério foi resolvido pacificamente e instalou-se como uma concessão feita às mulheres revelava um equívoco por adotar uma visão que considera um aspecto parcial do fenômeno. Ao não aprender as complexidades sociais das quais esse processo foi portador e ignorar que isso fez que houvesse uma transformação da profissão ao longo dos tempos, qualquer análise sobre a educação escolarizada que aborde a questão profissional e da prática docente corre sérios riscos de partir de bases pouco consistentes.


Podemos observar que o processo de feminização da profissão docente não se deu de forma passiva, mas dotados de relações de poder, pois a força masculina não aceitou de imediato a progressão feminina no campo docente. Assim, a inserção das mulheres no magistério foi permeada também, de mecanismos de subordinação na medida em que os homens, detentores do poder socioeconômico e político, passaram também, a ditar “regras e normatizações da instrução feminina e limitar seu ingresso em profissões por eles determinadas” (Almeida, 1998, p. 35). Assim, o público feminino se adequou às normas sociais e ao novo mundo que a ele estava imposto, e pode a partir daí, garantir aos poucos, seu espaço no meio social, educacional, político e econômico.

Nessa perspectiva, podemos afirmar que as mulheres experimentaram de forma subjetiva, o confronto entre liberdade e autoridade, citado por Paulo Freire (2002), pois a partir do momento que atuavam sobre os mecanismos de subordinação e ideais propostos, as mulheres adquiriam liberdade e autonomia por meio do exercício e da prática docente em sala de aula. Atrelada ao desenvolvimento industrial e tecnológico, essa liberdade representou a forma de quebrar os “grilhões” domésticos e conquistar o espaço público, que mais adiante, contribuiu para o fortalecimento dos movimentos feministas e de lutas por direitos e espaço social.

Com as mudanças socioeconômicas aliadas aos estereótipos construídos em torno do exercício da profissão docente que apresentavam o magistério

como extensão da maternidade, as mulheres passaram a fazer-se cada vez mais presentes nas instituições de ensino e procuraram obter conhecimentos, preparo para a vida no lar e também competências a fim de sobreviver por meio de seu próprio trabalho. Oliveira (2017, p. 7) acrescenta que,

A possibilidade de se profissionalizar através do magistério primário foi um meio de as mulheres poderem vislumbrar uma chance de sustento, sem a obrigação do casamento ou a humilhação de viver da caridade alheia. Para as mulheres, educar-se e instruir-se mais do que nunca significou uma forma de quebrar os grilhões domésticos e conquistar o espaço público. Foi também a possibilidade de se adequarem às normas sociais e ao mundo que se descortinava e principiava a selecionar os mais preparados intelectualmente (Oliveira, 2017, p.7).


Desse modo, “acompanhando a inserção feminina num espaço profissional representado pela educação da infância”, é importante considerar que nas primeiras décadas do século XX, iniciou- se as primeiras reivindicações e movimentos pela emancipação feminina (Oliveira, 2017, p. 2). Segundo a autora, o período pós-republicano mostrava uma mudança gradativa na mentalidade feminina. As mulheres passaram a reivindicar educação, trabalho e profissão, além do direito ao voto. Isso vai ao encontro do que Paulo Freire (2002) fala, ao dizer que o ato de aprender se torna revolucionário, na medida que o sujeito toma consciência de sua condição histórica, e assume a partir do conhecimento e da educação, uma postura crítica buscando transformar a realidade em que vive. Paulo Freire (2002), cita que não há liberdade sem busca pelo conhecimento e pelo reconhecimento de se lidar com ela. Pois não há libertação com passividade, mas sim, na luta.

A temática da autonomia para Paulo Freire tem sentido sócio-político-pedagógica. Para o pensador, a ideia de autonomia está ligada à condição histórico-social de libertação e emancipação do povo das estruturas opressoras (Freire, 2002). As primeiras mulheres inseridas nesse espaço profissional tiveram a oportunidade de exercer um papel de reconhecimento social. Assim, apesar dos estereótipos criados envolta do exercício do magistério, as mulheres puderam a partir de aí, romper com as opressões masculinas que subordinavam determinados papéis a serem desempenhados por elas.

Por meio dessa inserção no meio profissional e das

primeiras reivindicações em prol de alguns direitos, as mulheres posicionaram-se contra o descaso social e educacional que permeava o contexto em que viviam. Com isso, podemos afirmar que a história do magistério feminino, é principalmente uma história de mulheres que reivindicaram uma emancipação econômica, cultural e social (Almeida,1998). Afirmamos, que a partir dos movimentos feministas e lutas sociais, as mulheres puderam provocar uma ruptura nas relações de poder consolidadas por ideais que eram estabelecidos e esperados para seu melhor desempenho em sociedade.

Nessa perspectiva, podemos ver hoje, a mulher exercendo inúmeros papéis na sociedade. O crescimento profissional feminino é tendência no mundo todo, e hoje sua atuação está evidente em quase todos os setores de atividade produtiva. Lado a lado com os homens, elas exercem inúmeros papéis, buscando uma igualdade baseada no respeito e reconhecimento do seu desempenho na sociedade. Reivindicaram o direito ao voto e garantiram as mesmas oportunidades de escolha que os homens, enfim, instituíram seu reconhecimento na sociedade, como sujeitos sociais dotados de autonomia e de liberdade de escolha.


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Conclusão

No campo educacional, Paulo Freire, aparece como referência nos estudos e práticas que evidenciam a autonomia como condição fundamental para a emancipação do sujeito das amarras opressoras e dominantes que permeiam a realidade dos indivíduos. Assim, por meio da educação e do ato de aprender e ensinar, o sujeito toma consciência crítica da sua condição histórica, construindo possibilidades de transformar elementos ao seu redor e pronunciar as dificuldades suas condições atuais de vida.

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Podemos afirmar, que o ingresso e permanência das mulheres no espaço docente contribuiu relevantemente para a autonomia do público feminino, pois representou o primeiro campo profissional que as mulheres puderam exercer. Assim, apesar da atuação das mulheres no magistério ser marcada por estereótipos de maternidade e de capacidades atribuídas ao sexo feminino, esse espaço se constituiu o primeiro passo em busca de formação e do ingresso no campo profissional.

Portanto, assim como foi visto e discutido a inserção da mulher nesse campo de atuação, permitiu um novo olhar sobre o espaço doméstico e sobre as relações de submissão e opressão que as mulheres viviam. Esse reconhecimento provocou uma ruptura das relações de poder, que no Brasil, eram permeadas nos espaços sociais, educativos, políticos e econômicos.

A história da feminização do magistério no Brasil, é, portanto, uma história de mulheres que lutaram pelo seu espaço no campo profissional e nas relações sociais. Seu trabalho, marcado por lutas, fez parte de um movimento na educação e na sociedade, pela busca de autonomia, liberdade e afirmação como sujeitos dotados de uma consciência crítica capaz de mudar sua realidade, assim como Freire, discute em seu livro. Por meio da articulação do conceito de autonomia de Paulo Freire com o processo histórico e social de feminização do magistério, pode-se observar que a inserção das mulheres na profissão docente representou um potencial de libertação e poder para o público feminino e não de submissão e desvalorização, como se tem acreditado.


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