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“NOVAS FORMAS DE PENSAR, ACTUAR E PARTILHAR CIÊNCIA”
Manuel Sobrinho Simões
Instituto de Patologia Molecular e Imunologia da Universidade do Porto (IPATIMUP) Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto
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Departamento de Patologia, Hospital S. João
INVESTIGADORES CONVID ADOS
DATA DE RECEÇÃO: 29/01/2022
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O autor escreve segundo a antiga ortografia.
“Novas formas de
pensar, actuar e partilhar ciência”
Na sequência de um convite gentilíssimo de Margarida Quinta e Costa (MQC) eis-me a utilizar o espaço emprestado pela revista Saber & Educar com o objectivo de discutir o tema “Novas formas de pensar, actuar e partilhar ciência”.
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Quando tomei consciência do atrevimento – sou um médico patologista, especialista de diagnóstico de cancro e um grande ignorante em pedagogia, assim como em outros domínios das humanidades – era tarde demais e já tinha aceitado o convite. (Um parêntesis para salientar que Manuel Canijo usava de forma magistral, pela positiva, o “grande amador”, enquanto no meu caso o tal grande ignorante refere- se, a mim, de forma literal).
Esta minha apreciação foi reforçada pela revisão dos números anteriores da Revista onde pude comprovar a qualidade pedagógica e a adequação a um modelo de artigo de revisão com elevada exigência editorial. Face às minhas limitações discuti com MQC as diversas
opções (poucas, ou quase nenhumas, valha a verdade) e assentámos em seguir um modelo atípico acerca das “Novas formas de pensar, actuar e partilhar ciência” à luz de um biopatologista que foi falando aqui e ali, em fora de muito diversos tipos sobre Nós e os Outros. Utilizarei a minha intervenção na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti sobre o tema “Que saberes promover junto das pessoas com mais de 55 anos”, em Janeiro de 2018 (1), como uma espécie de “pivot”; por um lado, eu e gentes das várias “biologias” tínhamos vindo a descrever esses saberes na década anterior e, por outro, constitui uma espécie de antecâmara dos anos de ouro (2018-20), antes de mergulhar no mundo que estamos a viver desde a instalação da pandemia.
Ao rever as imagens e os quadros que apresentei na
Escola em Janeiro de 2018, dei conta que nessa altura já andávamos preocupados com novas formas de pensar, actuar e partilhar ciência, embora esteja convencido que o adjectivo “novas”, agora usado por MQC não se refere especificamente ao universo da COVID-19 e se relaciona com as modificações que estamos a experimentar nas últimas décadas em tudo quanto diz respeito ao ser humano, tanto individual como colectivamente.
Vendo retrospectivamente a questão do Saber em termos da equação Saúde/Doença à luz da longevidade crescente, penso que resumo nas imagens seguintes as aproximações mais expressivas (fig.1-8)
No início de 2018 já encarávamos a sustentabilidade como o mais grave problema do mundo e a propósito da longevidade crescente apelávamos, nessa altura, como continuamos a apelar hoje, para a necessidade de mudar os comportamentos.
Valerá a pena identificar de forma simplificada as três dimensões da ameaça dessa sustentabilidade, salientadas por António Guerreiro em diversos fora.
Esgotamento dos recursos físico-biológicos;
Esgotamento das relações sociais, degradadas pela exacerbação das desigualdades;
Esgotamento das nossas capacidades em termos de “atenção”, com uma competição desenfreada e uma estimulação incessante de utilização de novas tecnologias digitais.
INVESTIGADORES CONVID ADOS
Durante a segunda década deste século fiquei ligado a uma série de “falas” que procuraram esclarecer “Quem somos, de onde vimos, para onde vamos” (2), pondo em dúvida se a espécie humana será, ou não, uma espécie acidental (3-4). Confesso que ainda não sei. Começámos também a discutir a evolução da espécie humana primeiro e, depois, o Homo sapiens propriamente dito. Foi assim que encontrámos suporte para a discussão da organização das pessoas no tempo e no espaço, sobretudo na construção das cidades no seguimento do Neolítico. Não por acaso tornaram-se instrumentais para o futuro da humanidade a complexização das relações entre o
Homem e o Mundo graças às “camadas” da família, habitação, escola, comunidade, organizações e cidades (5-6).
A questão: “Para onde vamos” foi resumida, em 2010, em imagens que fazem apelo ao valor da educação e da colaboração a todos os níveis: família, escola, comunidade, instituição, … assim como à importância da prestação de contas e o exemplo (fig. 9-11).
Temos uma das primeiras fotografias do Público do Ciência Viva em Férias no recém-construído Ipatimup em 1997 (fig. 12).
A multidisciplinaridade e a alegria das gentes reflectia o percurso que havíamos iniciado meia- dúzia de anos antes, ainda nas instalações da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, com um Programa de Pós-graduação em Oncobiologia e uma vontade férrea de construir o futuro (fig. 13).
Era para onde íamos… e desafio que identifiquem a Margarida (MQC) e outros elementos que ajudaram a construir uma história feliz.
O ponto de partida desta“conversa” que artificialmente situei em Janeiro de 2018 é um diagnóstico razoavelmente preciso da situação no mundo que atrás identifiquei. Mas o problema não reside no diagnóstico e sim no tratamento/prognóstico.
Quando falamos de “Cuidar da Casa Comum” (7) concordamos com o Papa Francisco nas suas criticas ao consumismo e ao desenvolvimento insustentável
degradação ambiental e acentuação de alterações climáticas marcadíssimas, cada vez mais frequentes e mais dispersas pelo mundo.
No meio deste panorama assustador, a pandemia veio aumentar a incerteza associada ao medo, ansiedade e sofrimento, às vezes até depressão e pânico. Não sei o suficiente para discutir as “novas formas de pensar e actuar” neste contexto, embora tenha a certeza que esta situação contribuiu imenso para reforçar a noção da importância do conhecimento científico. Testemunhámos – e fomos os grandes beneficiadores
da ciência a trabalhar muito bem e muito depressa no desenvolvimento dos diferentes tipos de vacinas. “Chapeau”! No entanto, a repercussão social destes conhecimentos científicos continua a falhar. Convenhamos que as coisas não são tão más em Portugal como em outros países, mas infelizmente persiste a dificuldade em responsabilizar o cidadão pelas suas decisões, em parte por iliteracia-de-base das pessoas e em parte por atitudes do tipo (quase) negacionista.
(Um parêntesis para referir que não sei o suficiente para discutir a liberdade de decisão nas chamadas questões fracturantes, nem individualmente nem em termos colectivos, epitomizada nesta altura pela pandemia).
Voltando à narrativa pré-pandemia, caímos no problema do efeito terrível da longevidade crescente sobre a (in)sustentabilidade. Agravada, e muito, pela acentuação das assimetrias a todos os níveis, com expansão obscena da pobreza e quase pobreza.
Se regressarmos à necessidade de encontrar novas formas de pensar e interagir com pessoas e outros seres vivos no mundo em que vivemos – a la Europa
penso que poderemos resumir as coisas em meia dúzia de conceitos.
Como estão as
coisas
Sem querer exagerar no recurso às “falas” que fui fazendo sobre Nós e os Outros dei comigo a ver que, tal como anteriormente, acentuámos as origens do Homo sapiens (2-4) e a relação entre Humanidade e Sustentabilidade (8), mas agora o jogo é outro.
Se pensarmos em “novas formas de pensar, actuar e partilhar ciência” o tal jogo do presente e do futuro tem especificidades muito interessantes.
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A minha fala na Fundação Calouste Gulbenkian, organizada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de França, simultaneamente em dezenas de cidades europeias, intitulou-se “Être vivant” traduzindo para português, e bem, o título “Ser e estar vivo” (9), pois estar é mais do que só ser.
Lourdes Castro, uma artista notável, recentemente falecida, respondia “ESTOU” ou “ESTAMOS” à pergunta Como está?. O verbo estar, assim como o plural do nós, verdadeiro, não o plural majestático, são duas chaves mais determinantes do futuro da humanidade. E, já agora, a propósito de colaboração, as perguntas-chave de Frei Bento Domingues são: Em que podes ajudar?, ao acordar e Como ajudaste?, ao deitar – sempre no sentido da importância do valor de Nós com os Outros.
No ponto “O valor dos outros” valerá a pena distinguir a importância da pergunta Quando? de uma outra tríada clássica Como? Porquê? Para quê?
A resposta a primeira pergunta é fácil – “tão cedo quanto possível!”. É de pequenino que se torce o pepino (10). E depois, ou melhor, ao longo do tempo, deve acrescentar-se “tão apoiado quanto possível” a pensar na sageza da afirmação: A cuidar se vai ao longe (12,13). Também faz todo o sentido ligar o pensar ao conhecimento científico desde que o saber não almeje alcançar a sabedoria que alguns julgam ser o último patamar. Não é. O último patamar é saber fazer bem. E, é claro, optar por actuar ou não actuar. Cada vez apreciamos mais quem é capaz de decidir não fazer, apesar de saber e sabe fazer bem, demonstrando competência. Vem isto a propósito do valor da aprendizagem com os outros o que pressupõe uma série de verbos precedido de COM: conversar, comunicar, contactar (com tacto, a la
D. Tolentino Mendonça) assim como substantivos como compromisso, compaixão, … (14). Até a palavra
consorte é adequadíssima em função da importância do desenlace em termos de sorte/azar no âmbito da tríade genética, ambiente e sorte/azar (15).
Não tenho possibilidade de discutir a evolução da empatia individual das crianças e jovens mas que há uma tendência no sentido do esvaziamento da empatia, lá isso existe. Como há também um esgotamento progressivo da política.
A passagem para o primado do interesse genuíno das pessoas integradas num colectivo, seja a família nuclear ou uma agremiação desportiva, desloca o eixo do indivíduo para a sociedade. A ciência não se limita às chamadas ciências puras e duras. É cada vez mais importante atender às ciências ditas “soft” e valorizar os aspectos cruciais de psicologia individual
INVESTIGADORES CONVID ADOS
e psicologia colectiva, ciências humanas, economia, sociologia. Se estivermos a pensar, a sério, em partilha com a ciência, não tenho dúvidas em potenciar cada vez mais as necessidades de ciências menos duras e introduzir por exemplo as Artes. Foi assim que o famigerado acrónimo STEM – Sciences, Technology, Engineering, Mathematics – foi rejuvenescido com o A de Artes em STEAM (16).
Tal como já havia escrito, não sei o suficiente para me meter na questão da pandemia e daí ter tido sempre muito cuidado em abordar a questão da explosão da incerteza. Em algumas falas abordei a questão da incerteza em articulação com a insustentabilidade e é daí que seguem uma série de imagens (fig.14-21) acerca desta problemática (17,18,19).
A guisa de conclusão – há anos que não usava a palavra guisa… – à guisa, dizia, segue na lista de referências uma espécie de resumo dos títulos das falas que fui fazendo, ordenadas tanto quanto possível por ordem cronológica na esperança de ter ajudado a pensar e a actuar.
Colégio Valsassina, 28 de Abril de 2010
1ª Conferência da Murganheira, Lamego, 3 de Outubro de 2015.
Universidade de Coimbra, 18 de Maio de 2017
3ª Conferência do Ciclo “Construtores do Mundo”. EPUL, 24 de Setembro de 2012
Universidade Lusófona do Porto, 2 de Janeiro de 2015. Cuidar da casa comum (A propósito da encíclica “Laudato si”).
Iniciativa“Multi-Ordens”, Viseu, 22 de Janeiro de 2016. Ser e estar vivo. Natureza e humanidade: genética, “epigenéticas” e longevidade.
A Noite das Ideias. Fundação Calouste Gulbenkian, 30 de Janeiro de 2020
Escola Básica e Secundária de Viatodos, 8 de Fevereiro de 2019
Ciclo Cientistas no Palácio, Belém, 27 de Fevereiro de 2019
Encontro luso-espanhol. Para um envelhecimento com bem-estar na cidade. Auditório Maria de Jesus Barroso, Cascais, 24 de Novembro de 2019
Póvoa de Varzim, 27 de Junho de 2019
XVI Congresso de Endocrinologia e Nutrição dos Açores, S. Miguel, 22 de Outubro, 2019
APIFARMA, 25 de Novembro de 2020
Academia das Ciências de Lisboa, 3 de Dezembro de 2020
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