A EDUCAÇÃO

S A B E R & E D U C A R 3 2 ( 1 ) 2 0 2 3 — C A D E R N O T E M Á T I C O : I N F Â N C I A : P A Z , S U S T E N T A B I L I D A D E E I N C L U S Ã O

MORAL E RELIGIOSA CATÓLICA EM CABO VERDE E A PERCEÇÃO DOS PROFESSORES SOBRE A SUA RELEVÂNCIA

Florenço Mendes Varela

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Escola Universitária Católica de Cabo Verde


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Resumo:


Visando restituir ao ensino religioso o lugar de rel- evo nas escolas públicas, fez-se uma nova análise da conjuntura sociopolítica e foi assinado, dia 10 de junho de 2013, o Acordo entre a Santa Sé e o Estado de Cabo Verde relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica em Cabo Verde, aprovado pela Resolução nº 83/VIII/2013 (BO n° 68, I Série, de 16 de dezembro), denominada Concordata. Esse Acordo consagrou, dentre outras medidas, a possibilidade de intro- dução no ensino público não superior da disciplina Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC). Assim, após alguns avanços e recuos nas discussões com as autoridades governamentais, iniciadas em 2015, o Governo, em finais de 2017, aceitou a proposta apre- sentada pela Igreja Católica de implementação da disciplina de EMRC em 13 (treze) escolas públicas das ilhas de Santiago, Fogo, São Vicente e Santo Antão. O presente estudo propõe-se a contextualizar his- toricamente a disciplina de EMRC em Cabo Verde, analisar elementos do seu programa e da sua im- plementação e conhecer a perceção dos professores sobre a relevância da disciplina de EMRC, utilizan- do como metodologia a análise documental e o in- quérito por questionário. Os resultados desse estudo apontam que a EMRC é uma disciplina necessária, legal, dotada de força moral e aberta aos valores de justiça, da solidariedade e da paz, exigindo, por isso, docentes com personalidade humana, person- alidade docente e personalidade crente.


Palavras-chave:

Ensino Religioso, Educação Moral e Religiosa Católica; Formação de professores, Concordata.


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2

DATA DE SUBMISSÃO: 2023/03/14 DATA DE ACEITAÇÃO: 2023/09/06 DOI: 10.25767/SE.V32I1.30129

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Abstract:


S A B E R & E D U C A R 3 2 ( 1 ) 2 0 2 3 — C A D E R N O T E M Á T I C O : I N F Â N C I A : P A Z , S U S T E N T A B I L I D A D E E I N C L U S Ã O

In order to restore to religious education, the im- portant place in public schools, a new analysis of the sociopolitical situation was made and the Agree- ment between the Holy See and the State of Cape Verde on the Legal Status of the Catholic Church in Cape Verde was signed on June 10, 2013 (BO No. 68, I Series of December 16), called Concordat. This Agreement established, among other measures, the possibility of introduction into public education not higher of the discipline Catholic Moral and Reli- gious Education (EMRC). Thus, after some advanc- es and setbacks in discussions with government authorities, initiated in 2015, the Government, at the end of 2017, accepted the proposal presented by the Catholic Church to implement the EMRC disci- pline in 13 (thirteen) public schools on the islands of Santiago, Fogo, São Vicente, and Santo Antão. This study aims to historically contextualize the discipline of EMRC in Cape Verde, analyze elements of its program and its implementation and to un- derstand teachers about the relevance of the EMRC discipline, using documentary analysis and ques- tionnaire survey as methodology. The results of this study indicate that EMRC is a necessary discipline, legal, endorsed with moral strength and open to the values of justice, solidarity, and peace, thus requir- ing teachers with human personality, teaching per- sonality, and believing personality.


Keywords:

Religious Education, Catholic Moral and Religious Ed- ucation; Teacher training, Concordat.


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Introdução

Com uma população predominantemente católica, a sociedade cabo-verdiana, desde a sua origem, foi profundamente marcada pelos valores cristãos. Mesmo em situações particularmente difíceis e delicadas, tais como a relação entre colonos vindos da Europa e escravos trazidos da África, o processo gradual de miscigenação e suas consequências na formação da sociedade tipicamente cabo-verdiana, tais valores prevaleceram.

Em todas essas etapas de desenvolvimento de Cabo Verde, os princípios cristãos estiveram bem presentes, iluminaram, na medida do possível, os recantos mais sombrios e contribuíram para a construção do homem cabo-verdiano e da sua peculiaridade. A consciência de si e da própria dignidade; a visão do outro e do que ele representa para cada um; a sensibilidade à realidade presente e a abertura à universalidade, tudo isso é fruto de uma consciência cristã em razoável estágio de maturação, que tem Deus como Pai de todos e Jesus Cristo, como o irmão mais velho, no qual todos somos filhos de Deus e irmãos uns dos outros, como se destaca:

ao longo do tempo e devido a várias adversidades históricas, esses valores cristãos sofreram erosões, por vezes graves, quer por circunstâncias naturais, como secas severas; como por motivos conjunturais, como políticas desfavoráveis, isolamento, fome extrema, ideologias autossuficientes, prescindindo da Igreja como veiculadora desses valores e, por isso, irrelevante na consolidação da sociedade cabo-verdiana (Diocese de Santiago, 2019, p. 3).


Todavia, como se costuma dizer, a “história é mestra da vida”. Por isso, a dado momento, também os poderes políticos perceberam da situação, fez-se uma nova análise da conjuntura sociopolítica e assinado o Acordo Jurídico entre a Santa Sé e o Estado de Cabo Verde relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica em Cabo Verde, aprovado pela Resolução nº 83/VIII/2013 (BO n° 68, I Série, de 16 de dezembro). Esse Acordo consagrou, dentre outras coisas, a possibilidade de introdução no ensino público não superior da disciplina Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC).

Com a introdução da disciplina EMRC nas escolas públicas, a partir do ano letivo 2019-2020, o professor dessa disciplina mereceu uma atenção especial: tendo em conta as condições legais de qualificação científica e pedagógica, o jeito e o gosto pela missão

educativa, a capacidade de relação e de integração escolar, o equilíbrio e a maturidade humana, o testemunho de uma vida cristã coerente e comprometida eclesialmente, a disposição para assumir as orientações diocesanas e nacionais neste domínio do ensino (Conferência Episcopal Portuguesa, 2006).


Énestalinhaquefoidesenhadoocursodeespecialização em Ciências Religiosas para complementar a formação inicial e contínua dos professores e agentes pastorais, procurando dar respostas aos desafios do ensino religioso escolar e da ação pastoral.

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Esse curso de especialização em nível de pós-graduação lato sensu visa, fundamentalmente, proporcionar aos estudantes conhecimentos sobre a pesquisa cientifica e desenvolver competências para a prática da investigação em ciências religiosas, a identificação das características gerais do conhecimento científico, os diferentes tipos e etapas de investigação, bem assim, a capacitação para a elaboração e aplicação de instrumentos de recolha, tratamento e interpretação de dados tendo em conta um problema formulado.

O presente artigo pretende evidenciar alguns elementos do processo de implementação da Educação Moral e Religiosa Católica, conhecer a perceção dos docentes sobre a relevância da disciplina e estabelecer a ponte com a formação de docentes, a partir do curso de especialização em Ciências Religiosas e das perspetivas que se apontam com a criação da Escola Universitária Católica de Cabo Verde no incremento da formação superior em Cabo Verde, conforme realça Carvalho (2019).


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Enquadramento histórico legal do ensino religioso em Cabo Verde

Com o povoamento das ilhas do arquipélago e a chegada dos primeiros missionários franciscanos, juntamente com os portugueses, a partir de 1462, pode-se dizer que se deu início ao processo de implementação do ensino religioso que culmina, em 1533, com a criação da Diocese de Santiago de Cabo Verde, abrangendo todo o arquipélago e a Guiné-Bissau. A construção

da Sé Catedral em 1556 e a criação do Seminário de Cabo Verde em 12 de janeiro de 1570, um desígnio que só viria a concretizar em 1866 com a criação de um Seminário eclesiástico na ilha de São Nicolau, a criação do Seminário de São José na Praia, ilha de Santiago em 1957, são alguns dos marcos históricos relevantes.

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Sabe-se que toda a história portuguesa, inclusive a do ensino, desde a fundação da nacionalidade até ao século XVIII, foi marcadamente político-religioso de índole católica, apostólica, romana, mantendo as instituições educativas, como todas as outras, uma ligação privilegiada com a igreja Católica.

Desde os primórdios da colonização das ilhas, a Igreja Católica esteve presente já que havia uma aliança entre o altar e o trono português... Essa intrínseca relação entre o Estado e a Igreja em Cabo Verde teve consequências inclusive no campo educacional em que, sobretudo nos primeiros séculos, a Igreja Católica desempenhou fundamental papel na instrução dos cabo-verdianos - instrução que se dava aliada à evangelização (Delgado, 2017, p.167).


Segundo a Carta Constitucional de 1826“a Religião Católica continuará a ser a religião do reino. Todas as outras religiões são permitidas aos estrangeiros, com seu culto doméstico ou particular, em casa para isso destinadas sem forma algum exterior de templo” (Martins, 2005, p. 62). A Constituição portuguesa de 1822 estabelece que a Religião Católica Apostólica Romana era a religião do Estado e mantinha o ensino do catecismo e da moral.

Com o debate na Europa sobre o laicismo e a ideia de uma educação autónoma e de uma escola neutra, terá influenciado algumas decisões em Portugal e suas colônias, nomeadamente Cabo Verde.

A proclamação da 1ª República em Portugal em 5 de outubro de 1910, a extinção do ensino da doutrina cristã, nas escolas primárias, através de um dispositivo de 22 outubro de 1910 e a Lei da Separação do Estado e da Igreja, 20 de abril de 1911, terão influenciado enormemente a Constituição da República de 21 de agosto 1911 que estabelece que o “Estado passa a reconhecer a igualdade política e civil de todos os cultos e o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos e particulares será neutro em matéria religiosa”.

Em 10 de fevereiro de 1922, a Igreja Católica, através do Bispo Dom José Alves Martins, aprova os Estatutos da “Congregação da Doutrina Cristã” da Diocese de Cabo Verde, denominada: “Instrução Pastoral sobre o Ensino Religioso”, estabelecendo diretrizes sobre o ensino religioso no arquipélago.

A proclamação da 2ª República em 28 de maio de 1926, permite uma nova etapa na relação entre o estado e a Igreja. No campo do ensino houve modificação dos programas educativos e a reintrodução da Educação Moral e Educação Cívica. A Constituição de 1933 volta a reconhecer à Igreja Católica a influência nas instituições, no ensino e na sociedade, imprimindo valores nacionalistas expressos na trilogia “Deus, Pátria e Família”. Foram estabelecidos vários Decretos sobre a Implementação da Instrução Moral e Cívica dando nova visibilidade da religião católica, parecendo mais programas de religião católica confessional, com abundantes conteúdos católicos. Com a assinatura do Acordo entre o Estado Português e a Santa Sé (Concordata de 7 maio 1940), a Religião e a Moral Católicas passam a ocupar lugar de destaque nas escolas.

O Concílio Vaticano II (1962 a 1965) sob o signo da “renovação da face da Igreja Católica e a Liberdade Religiosa”, constitui um marco relevante para a Igreja. Todavia, a Revolução dos Cravos 1974 e a consequente instauração do regime democrático em Portugal, originado a 3ª República e o Protocolo Adicional à Concordata, 15 de fevereiro de 1975, terá alterado o cenário do ensino religioso. “A Constituição da República Portuguesa de 1976, contrariamente à Constituição de 1933, estabeleceu a não confessionalidade do ensino público, não fazendo qualquer referência particular a Igreja Católica, valendo o princípio de separação entre esta e o Estado” (Martins, 2005, p.73).

Com a ascensão à independência em 1975, Cabo Verde, não estabelecendo formalmente com a Santa Se nenhum Acordo manteve, até 2013, uma indefinição sobre o ensino religioso nas escolas públicas em Cabo Verde. Não obstante, admitiu-se o ensino religioso confessional, ao abrigo do artigo 85º da LBSE que regula o ensino particular ou cooperativo, em alternativa ou em complementaridade ao ensino público, que visa reforçar a garantia do direito de aprender e de ensinar. O ensino particular ou cooperativo pode exercer também uma função supletiva do ensino público, podendo, neste caso, receber do Estado os necessários apoios (Cabo Verde, 2018), a exemplo da Escola Padre Moniz em São Miguel, do Centro Educativo Amor de Deus e Centro Educativo Miraflores na Praia, Escola Salesiana de Artes e Ofícios em Mindelo, entre outras. Do ponto de vista jurídico, a Constituição da República de Cabo Verde (Lei constitucional nº 1/VII/2010, de 3 de maio) consagra no seu art.º 49º a “liberdade de consciência, de religião e de culto”, número 1, que

“é inviolável a liberdade de consciência, de religião e de culto, todos tendo o direito de, individual ou coletivamente, professar ou não uma religião, ter uma convicção religiosa da sua escolha, participar em atos de culto e livremente exprimir a sua fé e divulgar a sua doutrina ou convicção, contanto que não lese os direitos dos outros e o bem comum”. Além do mais, esse artigo, estabelece no número 4°, que “é garantida a liberdade de ensino religioso”.

A Lei de Bases do Sistema Educativo (Decreto-Legislativo nº 13/2018) estabelece no art.º 5° que a educação visa a formação integral do indivíduo, portanto, deve preparar o educando para uma constante reflexão sobre os valores espirituais, de entre outros.


Por outro lado, o estatuto da Igreja Católica, em termos de representatividade junto da população cabo- verdiana, é regulado pelo Acordo entre a República de Cabo Verde e a Santa Sé de 10 de junho de 2013 (publicado em 18 de dezembro de 2013) e consagrado através da Resolução nº 83/VIII/2013. Esse acordo prevê o ensino da religião e moral católica (art.° 17º):

O Estado garante à Igreja Católica e às pessoas jurídicas canónicas reconhecidas nos termos do artigo 4° e 5°, no âmbito da liberdade de ensino, o direito de estabelecerem e orientarem escolas e estabelecimentos em todos os níveis de ensino e formação, de acordo com a doutrina da Igreja e o direito cabo-verdiano, sem estarem sujeitos a discriminação (Cabo Verde, 2013).


A Lei nº 64/VIII/2014 de 16 de maio (Cabo Verde, 2014), estabelece o Regime Jurídico da Liberdade de Religião e Culto em Cabo Verde e estipula (art.° 3º) a inviolabilidade da liberdade de religião e de culto e determina que o Estado, em conformidade com a Constituição, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o direito internacional aplicável, que visa reconhecer e garantir o efetivo gozo da liberdade de religião e de culto e ainda garantir a liberdade da prática religiosa, favorecendo um ambiente de pluralidade e de tolerância (art.º 5). Estipula também o princípio do tratamento igualitário (art.º 8º) e da separação do Estado das coletividades religiosos. Determina ainda que o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo diretrizes religiosas (art.º 9º).

Essa mesma Lei (64/VIII/2014 de 16 de maio) estipula ainda no artigo 30º, número 7, que:

O ensino de religião e moral nas escolas públicas deve respeitar o pluralismo religioso da sociedade cabo- verdiana,conformar-secomosprincípiosdaConstituição

em matéria de educação, do desenvolvimento integral da personalidade e da cidadania e não incluir qualquer forma de proselitismo (Cabo Verde, 2014).


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Alunos matriculados e professores de EMRC 2019/20 a 2022/23

Segundo o Relatório da implementação da EMRC (Diocese de Santiago, 2022, p. 4-5), no ano letivo 2019/2020, primeiro ano da implementação da disciplina, estiveram matriculados no 1º, 5º e 9º ano de escolaridade, 1 466 alunos, distribuídos por 47 turmas e a cargo de 11 professores, sendo 2 destacados a tempo inteiro e os restantes em regime de acumulação.

No ano letivo 2020/2021, segundo ano da implementação, estiveram matriculados no 1º, 2º, 5º, 6º, 9º e 10º anos, 2 352 alunos, a cargo de 12 professores, sendo 4 destacados a tempo inteiro e os restantes em regime de acumulação. Um ano atípico, fustigado pela pandemia Covid-19, importa referir que assim como aconteceu com as outras disciplinas e seguindo as orientações do ME, a carga horária e modalidades de funcionamento desta disciplina tiveram de ser reajustadas, passando as aulas presenciais a ser de 1 (um) tempo semanal, com a duração de 25 a 30 mm e as turmas divididas em pequenos grupos. A redução da carga horária semanal para metade, justifica o reduzido número de docentes nesse ano letivo.

No ano letivo 2021/2022, terceiro ano da implementação da EMRC nas escolas públicas, foram matriculados no 1º, 2º, 3º, 5º, 6º, 7º anos de escolaridade, 4.067 alunos, a cargo de 28 professores, sendo 8 destacados a tempo inteiro e os restantes em regime de acumulação.

No ano letivo 2022/2023, quarto ano da implementação da EMRC nas escolas públicas, foram matriculados no 1º, 2º, 3º, 5º, 6º, 7º e 8º anos de escolaridade, 5.067 alunos, a cargo de 50 professores, sendo 23 (vinte três) a tempo inteiro e 27 (vinte sete) em regime de acumulação, incluindo os 18 (dezoito) professores de Santa Catarina que trabalham em regime de monodocência 1.

A fase experimental termina no ano letivo 2022/2023,


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  1. – A disciplina de EMRC, foi introduzida, na Escola do Ensino Básico de Assomada em Santa Catarina, em 2020/2019, no 1º ciclo, e é assegurada, em regime de mono docência,

    no horário letivo normal, 1 (uma) hora semanal, pelos 18 (dezoito) professores dessa Escola, que receberam, previamente, uma formação específica. Esse exemplo, poderia ser generalizada, no 1º ciclo do EB, desde que os professores tenham o perfil requerido.

    devendo o estado definir a modalidade de alargamento da disciplina de EMRC, ouvindo a Igreja Católica.

    Evolução do número de alunos matriculados e número de professores:


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    fevereiro de 2023, um inquérito por questionário a 40 (quarenta) do total de 50 (cinquenta) professores que lecionam a disciplina de EMRC nas escolas públicas, em regime de tempo integral e acumulação, nas ilhas de Santiago (Praia e Santa Catarina), Fogo e



    2019/2020

    2020/2021

    2021/2022

    2022/2023

    Diocese

    Nº Alunos

    Nº Prof.

    Nº Alunos

    Nº Prof.

    Nº Alunos

    Nº Prof.

    Nº Alunos

    Nº Prof.

    Santiago

    1217

    9

    1849

    9

    3288

    24

    5948

    44

    Mindelo

    249

    2

    503

    3

    779

    4

    1165

    6

    TOTAL

    1466

    11

    2352

    12

    4067

    28

    7113

    50

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    Fonte: Relatório da implementação da disciplina EMRC nas escolas públicas em Cabo Verde. Anos Letivos: 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022 (Diocese de Cabo Verde, 2022), atualizado com dados relativos a 2022/2023.



    Perceção dos professores

    sobre a relevância da disciplina de EMRC

    Tendo em vista o alargamento da disciplina de EMRC nas escolas públicas, a partir do ano letivo 2023/2024, quisemos conhecer a perceção dos/as professores/ as sobre a relevância dessa disciplina, pedindo-lhe que se pronuncie sobre o grau de concordância ou de não concordância sobre alguns aspetos da disciplina, utilizando a escala gradativa de Likert de 1 a 5, sendo 1 discordo totalmente, 2 discordo, 3 não concordo nem discordo, 4 concordo e 5 concordo totalmente.

    A escala de Likert tem a honra de ser um dos itens populares mais usados nas investigações. Ao contrário das perguntas sim/não, a escala de Likert permite medir as atitudes e conhecer o grau de conformidade do entrevistado com qualquer afirmação proposta. É totalmente útil para situações em que precisamos que o entrevistado expresse com detalhes a sua opinião. Neste sentido, as categorias de resposta servem para capturar a intensidade dos sentimentos dos inquiridos (Varela, 2018, p. 150, citando Cardoso, 2015).


    Deste modo, foi aplicado, no período de 15 a 25 de

    São Vicente, no ano letivo 2022/2023. Do total dos 40 questionários partilhados por email, foram obtidas 36 respostas até 25 de fevereiro.

    Recorreu-se ao uso da ferramenta do google2 https:// docs.google.com/forms/ para a aplicação do questionário e consequente recolha de informações. A opção por tal ferramenta decorreu das características arquipelágicas do país e das vantagens que as tecnologias propiciam. Para tanto, foi enviado por e-mail individual aos professores.

    A geração automática dos dados do questionário, revelou-se uma mais-valia ao processo de recolha, organização e sistematização de informações. Aliás, atualmente, tem sido recorrente as possibilidades de utilização das tecnologias digitais como ferramenta para o desenvolvimento da investigação. Sobre a utilização de tecnologias, Varela, 2018, cintando Freitas et all, (2004), destaca:

    Com o uso das novas tecnologias, o processo de investigação ganha força e vigor. Não se trata apenas de automatizar processos e disponibilizá-los on-line, mas de tornar interativo todo o processo: da seleção da população a questionar até a divulgação de relatórios (estes mesmos interativos), os retornos, o tempo de resposta, a riqueza de apresentação facilitando a comunicação (Varela, 2018, p. 147).


    Os dados genéricos mostram que 86,1% dos inqueridos situam-se na faixa dos 25 aos 50 anos. Apenas 13,9% na faixa dos 50 e mais anos. Quanto ao género, os dados revelam 83,3% feminino e 16,7% masculino. Com relação às habilitações académicas cumprem-se os requisitos legais, pois, verifica-se que a maioria (72,2) possui licenciatura. Apenas, 16,7% possuem mestrado e 11.1% o nível médio de formação (Instituto Pedagógico), perfil necessário para o regime de


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  2. – Ferramenta do Google, que possibilita criar formulários ágeis, com facilidade de editar e responder através de uma hiperligação, onde as res- postas às questões são coletadas de forma organizada e automática, com informações e gráficos disponibilizados em tempo real.

monodocência no ensino básico.

Na ótica dos inqueridos, conforme o gráfico a seguir, (69,4% concordam totalmente e 30,6% concordam), a disciplina EMRC, pela sua relevância, deve fazer parte do currículo escolar do ensino básico e secundário.


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Gráfico 1 – EMRC no currículo escolar


Interrogados se o/a professor/a de EMRC deve possuir uma formação especifica no domínio do ensino religioso escolar, a maioria concorda, sendo que 58,3% concordam totalmente e 25% concordam.


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Gráfico 2 – Formação específica para professor de EMRC


Quanto ao recrutamento de docentes da disciplina de EMRC, o gráfico a seguir revela que a maioria (55.6% concordam totalmente e 30.6% concordam) entende que deve ser feito no restrito respeito aos requisitos acadêmicos e idoneidade para a lecionação dessa disciplina. Apenas, 5.6% discordam e 11.1% não concordam nem discordam. Os professores de EMRC, devem ser criteriosamente selecionados, tendo em conta as condições legais de qualificação científica e pedagógica, o jeito e o gosto pela missão educativa, a capacidade de relação e de integração escolar, o equilíbrio e a maturidade

humana, o testemunho de uma vida cristã coerente e comprometida eclesialmente, a disposição para assumir as orientações diocesanas e nacionais no ensino de EMRC (Conferência Episcopal Portuguesa, 2006).


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Gráfico 3 – Recrutamento de professor de EMRC


Na ótica dos inqueridos, os conteúdos da disciplina EMRC contribuem para a formação integral do aluno, de acordo com o art.º 5, número 1, da Lei de Bases do Sistema Educativo. Das respostas, 38,9% concordam e 61,1% concordam totalmente.


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Gráfico 4 – Conteúdos da disciplina de EMRC


Interrogados se os conteúdos da disciplina de EMRC se diferenciam aos da catequese, 44,4% dos professores concordam totalmente, 44,4% concordam e 11,1% não concordam nem discordam.

Este assunto costuma gerar alguma confusão, sobretudo, no seio dos pais e encarregados de educação. Todavia, de acordo com a Conferencia Episcopal Portuguesa (2006), a relação entre a disciplina de educação moral e religiosa católica e a catequese é uma relação de distinção e com- plementaridade. Cada uma delas tem a intencio- nalidade própria do seu espaço de intervenção.

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Gráfico 5 – EMRC e catequese


Questionado sobre se a disciplina de EMRC tem as mesmas exigências de sistema e rigor que requerem as demais disciplinas, as opiniões divergem. O gráfico a seguir indica que 41,7% concordam, 30,6% concordam totalmente, 16,7 % discordam e 11,1% não concordam nem discordam.


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Gráfico 6 – Rigor da disciplina EMRC


Os professores, por experiência própria, consideram que a disciplina de EMRC, mesmo sendo facultativa, no caso do ensino básico, deve ser ministrada, preferencialmente, encaixada no horário normal de aulas. O gráfico a seguir mostra que 75% concordam totalmente e 25% concordam.

O funcionamento das aulas da disciplina de EMRC em horário contrário, tem sido um enorme fracasso. Deste modo, as Dioceses estão cientes, preferindo a redução do tempo de 2 horas para 1 hora semanal do que o funcionamento em horário contrário.

Gráfico 7 – EMRC no horário normal de aulas


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A disciplina de EMRC fornece aos alunos uma chave de leitura construída com base na mensagem cristã e na fé da Igreja que tem vivido e amadurecido ao longo de séculos.

O que identifica a disciplina EMRC é o facto de se desenvolver no contexto escolar, promovendo a educação das crianças, dos adolescentes e dos jovens, numa perspetiva cristã, através da relação de diálogo com todas as outras áreas do saber.


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Gráfico 8 – Identidade da disciplina EMRC


Questionados sobre o âmbito da disciplina de EMRC, também as opiniões variam, eventualmente, porque alguns professores em regime de acumulação, não têm uma formação específica no domínio das Ciências Religiosas.

O gráfico a seguir mostra que 47,2% dos inqueridos concordam totalmente em como a EMRC educa a di- mensão religiosa dos alunos, veicula conhecimen- tos de âmbito cristão, estuda o fenómeno religioso e cultiva a interioridade; 38,9% concordam, 11,1% não concordam nem discordam e apenas um professor (2,8%) discorda.


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Gráfico 9 – Âmbitos da disciplina EMRC


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Considerações e recomendações

A implementação da disciplina EMRC, a partir do ano letivo 2019/2020, é um fato de grande importância, por possibilitar, pela primeira vez, que os pais que desejam transmitir valores e cultura cristã aos seus filhos, encontrem na Escola o apoio necessário, integrado nas atividades escolares.

Concordamos com SNEC (2001) em como a disciplina de EMRC interessa à escola e, designadamente, à escola pública, é lugar privilegiado de desenvolvimento harmonioso do aluno, considerado como pessoa, na integridade das dimensões corporal e espiritual, e da abertura à transcendência, aos outros e ao mundo que é chamado a construir. Ao mesmo tempo, a disciplina de EMRC é um alerta para referência a estas dimensões que as outras disciplinas, as atividades da escola e o próprio projeto educativo são chamados, também, a contemplar.

O processo de alagamento/generalização da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica nas escolas públicas não superiores, a partir do ano letivo 2023/2024, exige negociação e entendimento entre o Estado, através do Ministério da Educação, e a Igreja Católica. Isso porque as decisões referentes a esse alargamento devem passar pela aceitação das duas partes, apesar de alguns aspetos estarem sob a alçada da Igreja Católica, como é o caso dos conteúdos a serem ministrados e a formação complementar de docentes dessa disciplina.

O concurso público para “reserva de recrutamento

de professores de EMRC” realizado pelo Ministério da Educação em 2021/2022, estabelecendo como “requisitos preferenciais” Licenciatura em Teologia ou em Ciências Religiosas e “requisitos afins” Licenciatura em Filosofia e especialização em Ensino de Educação Moral e Religiosa Católica; Ciências Religiosas ou Licenciatura em Ciências da Educação e especialização em Ensino de Educação Moral e Religiosa Católica ou Ciências Religiosas, é uma medida que fortalece a disciplina e incentiva a oferta formativa da Escola Universitária Católica de Cabo Verde nas áreas das Ciências Religiosas; da Filosofia e da Ciências da Educação, Família e Infância.

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Vale acautelar as prerrogativas estabelecidas pelo Ministério da Educação, através do documento Ref.ª 126/GME/2019 de 17 de abril que homologa a introdução da disciplina de EMRC nas escolas e estabelece que o recrutamento ou a transferência dos docentes incumbidos de ministrar a disciplina EMRC deve ser feito “no estrito respeito do quadro legal existente para o efeito, no que tange aos requisitos académicos, ouvidos previamente os representantes das Dioceses de Mindelo e de Santiago sobre a sua idoneidade para a lecionação da disciplina” (Ministério da Educação, 2017).

Para o ano letivo 2023-2024, o Ministério da Educação possui uma reserva de 23 candidatos aprovados no Concurso Nº 04/ ME/ 2021 para Recrutamento de Professores de EMRC, pessoas que além de requisitos académicos, possuem uma formação complementar na área das Ciências Religiosas. Nesta medida, a transferência de professores, alegadamente, por causa de “excesso” ou para “preenchimento de horário”, sem a observância da idoneidade para a lecionação dessa disciplina, pode ser prejudicial para a implementação da disciplina de EMRC.

O inquérito por questionário revela que os professores têm uma boa perceção sobre a relevância da disciplina de EMRC. Confirma-se que essa disciplina tem a sua identidade própria, os conteúdos diferenciam-se aos conteúdos da catequese e contribuem para a formação integral do aluno. Pela sua relevância, a disciplina de EMRC deve fazer parte do currículo escolar, o recrutamento de docentes deve ser feito no estrito respeito aos requisitos académicos e idoneidade para a lecionação da disciplina e devem possuir uma formação especifica.

Na ótica dos entrevistados, a disciplina de EMRC tem as mesmas exigências de sistema e rigor que requerem as demais disciplinas e, mesmo sendo facultativa, no caso do ensino básico, deve ser

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ministrada, preferencialmente, encaixada no horário normal de aulas, visto que fornece aos alunos uma chave de leitura construída com base na mensagem cristã e na fé da Igreja que tem vivido e amadurecido ao longo de séculos.


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Bibliografia


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