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OLHARES SOBRE A EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA A PARTIR DA OBSERVAÇÃO DE
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
EM MATEMÁTICA
Louise Lima
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP)
Cristiana Madureira
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Politécnico de Leiria
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Este artigo foi construído com o objetivo de compreender os olhares de estudantes do Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico sobre as práticas de matemática em contexto Pré-Escolar, a partir de uma experiência da Unidade Curricular de Didática da Matemática em articulação com prática de ensino supervisionada. Deste modo, centramos o nosso estudo numa abordagem qualitativa, enquadrando-o no paradigma fenomenológico-interpretativo, com recurso à análise documental dos trabalhos realizados pelas estudantes a partir da observação direta de práticas pedagógicas em contexto de educação Pré-Escolar. Os dados foram submetidos à técnica de análise de conteúdo. Os resultados apontam que a atividade proposta promoveu processos reflexivos por meio da observação em contexto profissional; levando as estudantes ao reconhecimento da importância da criatividade na construção de recursos didáticos e da realização de tarefas em contexto de exploração, bem como da adaptação das estratégias pedagógicas às necessidades e ritmos das crianças. Ademais, identificam a interação entre as crianças como aspeto fundamental para o desenvolvimento de aprendizagens significativas, em que o/a educador/a é um promotor de desafios intelectuais.
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Educação de infância; Práticas pedagógicas; Desen- volvimento profissional; Prática de ensino supervisio- nada; Ensino da Matemática.
This article was constructed to understand the views of students of the Master’s Degree in Pre-School Education and Teaching of the 1st Cycle of Basic Education on mathematics practices in a Pre-School context, based on an experience of the Curricular Unit of Didactics of Mathematics in conjunction with supervised teaching practice. Thus, we focus our study on a qualitative approach, framing it in the phenomenological-interpretative paradigm, using documental analysis of the work carried out by the students from the direct observation of pedagogical practices in the context of preschool education. The data were submitted to the technique of content analysis. The results indicate that the proposed activity promoted reflective processes through observation in a professional context; leading students to recognize the importance of creativity in the construction of teaching resources and carrying out tasks in an exploration context, as well as adapting pedagogical strategies to the needs and rhythms of children. Furthermore, they identify the interaction between children as a fundamental aspect of the development of meaningful learning, in which the educator is a promoter of intellectual challenges.
Early childhood education; Pedagogical practices; Professional development; Supervised teaching practice; Mathematics Teaching.
A observação de práticas pedagógicas enquanto oportunidade reflexiva e (trans) formativa: uma introdução
O processo de aprendizagem começa desde o nasci- mento e constrói-se progressivamente com e no meio envolvente, de modo que é durante a infância que ocorre o maior desenvolvimento do indivíduo. Deste modo, é primordial a intencionalidade das práticas pedagógicas desenvolvida na Educação Pré-Escolar, em que é atribuída ao educador e educadora de in- fância a responsabilidade de conceber e desenvolver o currículo (DecretoLei n.º 241/2001, de 30 de agosto). No entanto, para que tal aconteça, é necessária a ob- servação, planificação, organização e avaliação do am- biente educativo, bem como das atividades e projetos curriculares, com vista à construção de aprendizagens significativas a partir das necessidades do grupo de crianças. É ainda, da responsabilidade do educador e educadora mobilizar o conhecimento e as competên- cias necessárias ao desenvolvimento de um currículo integrado, no âmbito das áreas de conteúdo.
Sendo a matemática, contexto deste artigo, um domí- nio da Área de Expressão e Comunicação presente nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE), importa reconhecer que “os conceitos mate- máticos adquiridos nos primeiros anos vão influen- ciar positivamente as aprendizagens posteriores e que é nestas idades que a educação matemática pode ter o seu maior impacto” (Silva et al., 2016, p. 74). Des- te modo, é no Jardim de Infância que devem ser da- das oportunidades para a realização de experiências matemáticas significativas, a fim de que as crianças possam desenvolver conhecimentos e capacidades matemáticas. Esta é uma etapa crucial no incentivo à curiosidade natural das crianças e na exploração das suas habilidades inatas para a aprendizagem.
Este enquadramento lança um desafio à formação dos
futuros educadores e das futuras educadoras, que deve ser desenvolvida numa lógica de isomorfismo pedagó- gico (Niza, 2009). Trata-se, por um lado, de um pro- cesso comprometido com o desenvolvimento da perso- nalidade da criança, dos seus dons e aptidões mentais e físicas, na medida das suas potencialidades, indo ao encontro do estipulado na Convenção dos Direitos das Crianças da UNICEF (1989). Por outro lado, estamos perante uma formação inicial que pode contribuir para o princípio do Profissionalismo, “aumentando conti- nuamente o seu conhecimento da matemática para o ensino, o conhecimento pedagógico da matemática e o conhecimento sobre os alunos enquanto aprendizes de matemática” (National Council of Teachers of Mathe- matics, 2017, p. 119), além de “exigir oportunidades de desenvolvimento profissional e colaboração que forta- leçam o conhecimento dos conteúdos matemáticos e a concretização das Práticas Matemáticas de Ensino” (Na- tional Council of Teachers of Mathematics, 2017, p. 119). Nesta perspetiva, os Jardins de Infância enquanto “es- paços estratégicos da observação da prática pedagógi- ca, surgem como potenciadores da formação e, através da interação pessoal e da reflexão, propiciadoras do de- senvolvimento de capacidades e construção de conhe- cimento, por parte de todos os envolvidos” (Valério, 2002, p. 61). Assim, constituem-se como possibilida- de de promoção de situações propícias para o desen- volvimento profissional dos futuros educadores e edu- cadoras, fomentando a sua capacidade de lidar com os desafios que emergem do contexto. Esta visão centra-
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-se num conceito mais amplo que considera o Jardim de Infância como um contexto educativo aprendente. Por isso, no âmbito da formação inicial, encontra-se na prática de ensino supervisionada um ponto fulcral na formação dos educadores e educadoras e de todos os profissionais de educação (Pimenta & Lima, 2004), porque exerce um papel de destaque na construção de um espaço dialético teoria-prática (Freire, 1977). Esta permite a corporizarão da teoria a partir da observação de práticas pedagógicas no contexto educativo, assim como a coconstrução do conhecimento profissional e a melhoria da qualidade da ação educativa.
A observação de práticas pedagógicas em contexto pode ser assumida como uma abordagem pedagógica de destaque, porque envolve a orientação e o acompa- nhamento, podendo contar com a supervisão de edu- cadores e educadoras experientes, como no caso da prática de ensino supervisionada – uma oportunidade para o desenvolvimento de uma compreensão mais profunda sobre a complexidade dos processos de ensi- noaprendizagemavaliação. Assim,
“numa cultura de profissionalismo, os educadores assumem a transparência no seu trabalho, nas suas realizações e nos seus desafios, e a partilha de ideias, de reflexões e de práticas é parte integrante da colabo- ração, baseada nos pontos fortes de cada um e em ul- trapassar desafios individuais para garantir o sucesso matemático para todos os alunos” (National Council of Teachers of Mathematics, 2017, p. 101).
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Neste sentido, a prática de ensino supervisionada surge como oportunidade de participação em aprendi- zagens ativas (Blank & Alas, 2009; Doerr et al., 2010), através da articulação entre formação inicial e con- texto educativo, podendo ser reconhecidos “como lu- gar e tempo de aprendizagem para todos (crianças e jovens, educadores e professores, auxiliares e funcio- nários) e como lugar e tempo de aprendizagem para si própria, como organização qualificante que, também ela, aprende e se desenvolve” (Alarcão, 2002, p. 218). Trata-se, assim, de uma prática comprometida com a melhoria da qualidade educativa, porque “quando trabalhamos com os professores, queremos, através deles, chegar aos alunos. Queremos que a educação seja melhor, que o ensino seja melhor. Passa-se pelos professores, mas tem-se em mente que o objetivo últi- mo é a qualidade da educação” (Alarcão, 2009, p. 120). No entanto, este exercício de reconhecimento do con- texto educativo como comunidade aprendente, impli- ca uma conceção de que os educadores e educadoras são profissionais reflexivos e produtores de conheci- mento, que contribuem para que dentro da própria profissão se verifique um crescimento do conhecimen- to necessário para transformar ambientes, políticas, pesquisa e prática educacionais (UNESCO, 2021). No domínio da formação inicial, encontra-se na obser- vação de práticas pedagógicas e na prática de ensino supervisionada a oportunidade para o exercício refle- xivo seja realizado também pelos futuros educadores e educadoras e progressivamente ampliado de acor- do com as experiências que vivência em contexto, do apoio que recebem e do diálogo que realizam com os educadores e as educadoras. Esta é uma oportunidade de encorajamento sobre a reflexão sobre situações em contexto educativos, que se revelam fundamentais na mudança de crenças sobre o ensino da matemática. Isto é, através das experiências reflexivas num deter- minado contexto, os futuros educadores e professores poderão desenvolver novas perspetivas sobre eles pró- prios, sobre os outros e sobre a própria aprendizagem da matemática (Ebby, 2000).
Desejando compreender de que forma as práticas de
ensino supervisionadas podem potencializar a for- mação em matemática dos/as futuros/as educadores/ as de infância, indagamo-nos: O que evidenciam os olhares de estudantes do 1.º ano do Mestrado em Edu- cação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Bá- sico sobre as práticas de matemática em contexto de educação Pré-Escolar?
Contextualização e aspetos metodológicos
A partir de uma experiência da Unidade Curricular de Didática da Matemática em Educação de Infância em articulação com a prática de ensino supervisionada, este artigo pretende partilhar olhares de estudan- tes do 1.º ano do Mestrado em Educação PréEscolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico sobre as práticas pedagógicas de matemática em contexto de educação PréEscolar, enquanto primeira etapa da educação bá- sica no processo de educação ao longo da vida, confor- me refere a Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar n.5/97 de 10 de fevereiro.
Esta investigação enquadra-se no campo epistemoló- gico das Ciências da Educação, enquanto oportunida- de para a compreensão dos múltiplos aspetos ineren- tes à ação pedagógica, no geral. Em particular, insere-
-se no campo da Educação Matemática, “uma vez que a Educação Matemática tem por meta a formação de pessoas, que não prescinde da realidade social, histó- rica e da comunidade onde se vive, e, portanto, é uma área de conhecimento concernente às Ciências Huma- nas” (Bicudo, 2006, p. 29). A articulação entre estes campos de pesquisa orientou o desenho metodológico desta investigação.
O desenho de investigação assenta numa abordagem qualitativa, na perspetiva do paradigma fenomeno- lógico-interpretativo (Amado, 2017), com recurso à análise de documentos pessoais, isto é, dos 6 (seis) trabalhos realizados pelas estudantes, a partir da ob- servação direta de práticas pedagógicas em contexto Pré-Escolar; para posterior análise de conteúdo (Bar- din, 2016). Trata-se de um documento pessoal por se constituir uma “narrativa feita na primeira pessoa
que descreve as ações, experiências e crenças dos indi- víduos” (Bogdan & Biklen, 1994, p. 177), revelando a vi- são que as autoras têm das suas próprias experiências, enquanto seres humanos e participantes da vida social. Esta opção permite perceber o que os sujeitos da in- vestigação (estudantes) pensam sobre o contexto em análise (práticas pedagógicas de matemática em contexto de educação PréEscolar e suas relações). O trabalho proposto centrou-se no modelo reflexivo (Valério, 2002) que se caracteriza por valorizar a expe- riência individual e pessoal de cada um, permitindo o desenvolvimento de capacidades de auto e heteror- reflexão, bem como a agregação de diversas visões, ideias e pontos de vista.
A tarefa proposta às 6 (seis) estudantes do 1.º ano do Mestrado em Educação PréEscolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico na Unidade Curricular de Didática da Matemática em Educação de Infância no ano letivo 2021/2022 incidiu no desenvolvimento de uma análise crítica sobre a observação de uma aula realizada em contexto de prática de ensino supervisionada, confor- me orientações disponíveis no quadro 1.
Assim, no presente artigo, a análise incidirá nos olha- res das estudantes em torno das três dimensões: A in-
teração entre as crianças e o conteúdo; A interação en- tre o educador e educadora e as crianças; A interação das crianças com os colegas.
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Destacamos a preocupação com as questões éticas no decorrer deste estudo (Amado & Freire, 2017) tal como pressupõe a Carta Ética da SPCE (Sociedade Portugue- sa de Ciências da Educação, 2014). Deste modo, escla- recemos as estudantes das nossas intenções, assim como tecemos informações sobre bem a natureza e os objetivos da investigação, exigindo-se a sua anuência por meio de um consentimento informado. Através de tal consentimento, cada estudante pode volunta- riamente autorizar a integração neste artigo cientí- fico de excertos do trabalho desenvolvido na Unidade Curricular e Didática da Matemática na Educação Pré-
-Escolar. Tendo garantido o anonimato e respeitando os princípios éticos que regem a investigação, foram ainda asseguradas a privacidade dos dados recolhi- dos no decurso da investigação. Sublinhamos ainda a preocupação de que a investigação fosse conduzida com o intuito de que os resultados obtidos contribuam para o desenvolvimento pessoal e profissional dos su- jeitos envolvidos.
QUESTÕES ORIENTADORAS | |
A interação entre as crianças e o conteúdo |
(…) |
A interação entre o educador e as crianças |
|
A interação das crianças com os colegas |
|
Fonte: Adaptado de https://gestaoescolar.org.br/conteudo/620/como-fazer-observacao-de-sala-de-aula
A interação entre as crianças e o conteúdo,
o/a educador/a e os pares: cruzando seis olhares
Os olhares das estudantes do 1.º ano do Mestrado em Educação PréEscolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico cruzaram-se na observação sobre a interação entre as crianças e o conteúdo, o/a educador/a e os pa- res; que passaremos a analisá-los, sob a intenção de compreender o que estes olhares evidenciam sobre as práticas de matemática em contexto de educação Pré-
-Escolar. Os seis trabalhos analisados estão indicados por T1, T2, T3, T4, T5 e T6.
No que concerne à interação das crianças e o conteú- do, os olhares direcionaram-se para a mobilização de materiais do quotidiano que foram intencionalizados pedagogicamente, assumindo o caráter de recursos didáticos (Cosme et al., 2021), para abordar os conteú- dos matemáticos, por exemplo, quando
“para ajudar as crianças a associar as formas geomé- tricas ao mundo em seu redor, a professora construiu a partir de um molde de cartão, uma casa cujas ca- racterísticas se relacionavam com as formas geomé- tricas, assim sendo, as janelas tinham o formato dos círculos, o telhado tinha o formato do triângulo, a casa tinha o formato do quadrado e a porta o formato do retângulo” (T1).
“No geral, pude depreender que a atividade ao ini- ciar, com a exploração de questões sobre temáticas do conhecimento do grupo, potenciou a aprendizagem das crianças, por um lado, como em simultâneo as tornava mais significativas dado não serem abstra- tas” (T4).
Destaca-se o relato de uma estudante sobre o poten- cial da utilização de elementos do quotidiano para a aprendizagem das crianças: “senti no desenvolvimen- to da prática de ensino supervisionado II, a necessi- dade de observar uma atividade de matemática que
tivesse uma estreita relação com o dia a dia e as vivên- cias das crianças” (T2). Deste modo, tais recursos didá- ticos a atividades próximas às vivências das crianças foram reconhecidos pelas estudantes como elementos de apoio à aprendizagem. Além disso, os olhares das estudantes também evidenciaram que tais recursos foram mobilizados em situações de atividades desen- volvidas a partir de tarefas que desafiaram as crianças num contexto de exploração:
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“(...) admiradas como as formas geométricas, que nada mais são do que o formato de diversas coisas ao nosso redor e fizeram questão de explorar outros materiais. Foram mostrados alguns exemplos, como brinquedos da sala e alguns objetos e utensílios que encontramos na instituição. As crianças exploraram ainda as diferentes formas, tamanhos e dimensões dos materiais existentes” (T1).
O contexto de exploração foi indicado pelas estudan- tes como um contributo para o desenvolvimento de uma interação ativa e positiva entre o educador e a educadora e as crianças, em que os olhares se direcio- naram para a qualidade da interação (Cosme, 2009), evidenciando os modos de interação, questionamen- to, pausa e promoção da reflexão:
“Sempre que ela achou necessário repetimos e voltá- mos ao início a recapitular a história. Este momento observado mostrou-me que a educadora sabe escutar as crianças” (T3).
“(…) soube aguardar as respostas das crianças, ouvir as suas questões, levando-as a pensar e a encontrar a resposta correta. A abordagem da professora permitiu que as crianças encontrassem em conjunto uma res- posta, enquanto adquiriam novos conhecimentos, ao compreenderem que a data do Carnaval aparecia antes do Dia da Mulher” (T4).
“No que toca à interação entre o professor e crianças verifiquei que a educadora explicou a atividade de for- ma clara, e que todas as crianças perceberam a pro- posta de atividade. A educadora aguardou sempre pelas respostas das crianças deixando que fossem as próprias a chegar aos resultados. Se, eventualmente a resposta da criança não fosse a correta a educadora reformulava a questão, colocava a criança a refletir no- vamente, e procurava novas estratégias para a criança chegar à resposta. Por vezes, a educadora solicitava os colegas para ajudarem a criança” (T6).
Deste modo, os olhares também destacam que esta interlocução qualificada que se desenvolve em con- texto de interação com recurso a materiais diversos contribui “(...) para o desenvolvimento do raciocínio lógico das crianças, bem como ajudou a desenvolver perceções táteis e visuais, proporcionando momen- tos de exploração, trabalho em equipa e individual, explorando a criatividade das crianças” (T1), de modo que o “material estruturado trouxe inúmeras aprendi- zagens às crianças e facilitou que estas adquirissem o conhecimento sem que a professora fosse uma mera transmissora de informação” (T1). Outro recurso didá- tico evidenciado é o jogo que enriquece e potencializa a interação entre as crianças e os seus pares:
“Através das minhas observações, percebi que o jogo permite um trabalho colaborativo entre as crianças, sendo uma das estratégias de grande relevo para tra- balhar as diferentes áreas do conhecimento. Na di- namização do jogo, quando as crianças jogavam em grupo, foi possível constatar que as crianças se sen- tiam mais confiantes ao partilhar uma decisão com os restantes elementos do grupo, bem como intera- giam e entreviam com maior frequência. Em vários momentos as crianças observavam as escolhas das outras crianças ao colocarem a forma geométrica num determinado sítio, sendo que algumas ao se aperceberem que tinham colocado a sua no lugar er- rado, de imediato repensavam e colocavam no lugar correto. De igual forma, observei que as crianças se ajudavam umas as outras, demonstrando espírito de equipa e interajuda” (T1).
As estudantes reconhecem que a valorização das suas produções por meio de exposições, a promoção de aprendizagens ativas, o jogo e o estímulo à criativida- de permitiram contribuir para a felicidade das crian- ças e para o seu desenvolvimento:
“(…) o resultado foi bastante positivo para as crianças pois, estas mostravam muita felicidade ao passar, na hora de almoço e do lanche, pela casa/escola e ver os seus trabalhos expostos juntamente com os das outras crianças. Conseguiam identificar as suas “casas geo- métricas” através das suas fotografias que se encon- travam no interior de cada casa. Considero que esta atividade foi eficaz não só pelo impulso à criatividade, como também pelo facto de as crianças terem explo- rado as diferentes áreas do conhecimento, inclusive a área da matemática” (T1).
“(…) pelas paredes estão expostos “cartazes” e outros
materiais resultantes das atividades desenvolvidas com as crianças de apoio visual em particular no do- mínio da matemática ou da escrita, a que as crianças mais velhas dão muita importância” (T3).
Os olhares das estudantes também apoiaram a refle- xão sobre a importância do diálogo e do desenvolvi- mento da autonomia, da participação das crianças. Esta dimensão da comunicação interseta-se com a ob- servação sobre a gestão democrática da sala de aula:
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“A gestão da sala é partilhada com as crianças, na for- ma como escolhem as atividades que querem partici- par e como se responsabilizam pela execução das mes- mas. Observei atividades de jogo, por livre iniciativa da criança nas diferentes áreas.” (T3)
“Posso concluir que, com esta atividades o grupo de crianças interagiu e adquiriu novas aprendizagens re- lacionadas com o domínio da matemática. A criança teve um papel ativo e foi encorajada a utilizar as suas capacidades cognitivas. Existiu o diálogo, o que permi- tiu uma maior concentração e observação das crianças na sala de aula. Através desta atividade, a criança ad- quiriu também conhecimentos do seu quotidiano, con- tribuindo para a sua autonomia, responsabilização, participação e independência” (T4).
Estas seis observações foram realizadas com o intuito de se construir uma unidade dialética entre a teoria e a prática (Freire, 2016) no âmbito da didática da matemá- tica e o contexto profissional, constituindo uma tarefa propulsora de uma consciencialização nas estudantes sobre os processos de promoção de aprendizagens:
“Estou cada vez mais consciente de que a relação pedagó- gica abrange o modo como o adulto se relaciona com as crianças – interação adulto-criança, as suas ações e atitu- des e o clima que este proporciona às crianças, o que tem um impacto direto na aprendizagem e desenvolvimento da criança. (…) Inicialmente a minha presença era uma observadora natural e aos poucos foi-se tornando mais ativa. A observação e registo das aulas foram momentos de grande aprendizagem, pois consegui olhar para a sala de aula com uma nova perspetiva e interiorizar o meu novo papel dentro de uma sala de aula” (T3).
“O trabalho levado a cabo pela professora cooperante, permitiu-me começar a compreender o perfil e atua- ção de um educador de infância, que, neste caso em particular, consistia em estimular as crianças à obten- ção e à pesquisa de conhecimentos, bem como incen- tivar à aprendizagem” (T4).
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Assim, os olhares atentos das estudantes do 1.º ano do Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico evidenciam as nuances impor- tantes do uso de materiais do quotidiano para a pro- moção de uma aprendizagem significativa, demons- trando o reconhecimento sobre a interação ativa e po- sitiva entre educadores e educadoras e crianças. Esta abordagem, aliada à valorização das produções das crianças, do diálogo, da autonomia e da participação das crianças reforçou a perspetiva democrática da sala de aula como um espaço de coconstrução do conheci- mento. Além disso, os olhares revelam a influência das interações e da abordagem pedagógica na promo- ção do desenvolvimento integral das crianças.
Em jeito de síntese, na próxima secção iremos salien- tar alguns destes aspetos sobre os olhares das estudan- tes sobre as interações estabelecidas entre as crianças e o conteúdo, o/a educador/a e os pares, sob o intuito de fortalecer a compreensão da intersecção entre teo- ria e prática, ressaltando a importância de uma abor- dagem holística e centrada na criança, no sentido do desenvolvimento de uma educação de qualidade.
Algumas reflexões sobre a observação de práticas pedagógicas em matemática
As observações evidenciam a utilização de recursos didáticos, por via de materiais tangíveis, para apoio ao desenvolvimento de atividades que envolveram a exploração tátil, visual e criativa dos materiais didá- ticos – estruturados ou não – reconhecendo-os como suporte à aprendizagem. Destaca-se a criatividade das educadoras na utilização de materiais quotidia- nos para promover o desenvolvimento de aprendiza- gens matemáticas, uma vez que “na senda de Silva (2015) ´todo o material serve para trabalhar a ma- temática, o essencial é a criatividade que se tira do
mesmo´ (p.7), o que aconteceu durante a aula obser- vada em que a Educadora (re) aproveitou os ovos da Páscoa para desenvolver uma atividade de raciocínio matemático” (T5).
Os olhares das estudantes também identificam uma relação entre o desenvolvimento das aprendizagens pelas crianças e a interação com os pares, onde o re- curso à observação da atividade dos colegas em con- texto de cooperação lhes permite desenvolver apren- dizagens mais significativas. No âmbito da interação com os colegas, destacam-se momentos da rotina da sala de aula, como o cantar dos “bons dias” e a marca- ção das presenças.
As reflexões a partir da observação também subli- nham a importância do desenvolvimento de tarefas que se aproximam ao contexto e às experiências das crianças a partir de uma abordagem pedagógica que valoriza as contribuições das crianças e reconhece as suas necessidades individuais e, por isso, ajusta as atividades pedagógicas com base na reflexão sobre suas necessidades, interesses e ritmos, de modo a ga- rantir o desenvolvimento de melhores aprendizagens. Aliás, foi destacado em todos os trabalhos, o reco- nhecimento de que, como futuras educadoras, pode haver maneiras de melhorar ou adaptar atividades para melhor atender às necessidades das crianças, por exemplo quando “(...) a educadora planeia mo- mentos destes interligando várias áreas como o Co- nhecimento do Mundo, a área da Expressão e Co- municação, com destaque para a expressão verbal e para a audição da leitura de histórias. Esta história foi escolhida propositadamente, uma vez que havia crianças com dificuldades no desenvolvimento do sentido de número” (T3).
Além disso, evidenciam como ações fundamentais para a construção de uma relação pedagógica e para a participação: a escuta atenta das crianças e a flexibili- dade nas tarefas (apresentação, desenvolvimento e es- colha pelas crianças). Importa, assim, a criação de um ambiente em que as crianças se sintam seguras para compartilhar suas ideias e trabalhar juntas na procu- ra de respostas num contexto em que o/a educador/a assume um papel comprometido com a promoção do pensar, do questionar e do pesquisar. Para tanto, as observações revelam a estreita relação desta promoção com as atividades, que deve envolver desafios intelec- tuais e resolução de problemas.
Em jeito de síntese, a atividade proposta suscitou o desenvolvimento de processos reflexivos através da supervisão em contexto profissional. Tal cená- rio supervisivo com um cariz e uma intenciona-
lidade pedagógicos potenciaram a aprendizagem profissional destas estudantes do Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensi- no Básico sobre as práticas de matemática em con- texto de Educação Pré-Escolar, contribuindo assim para a construção da sua identidade profissional.
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