FORMAÇÃO DE PROFESSORES, EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DESENVOLVIMENTO: CONTRIBUTOS PARA A CONSTRUÇÃO

DE UM QUADRO

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CRÍTICO-ANALÍTICO E COMPREENSIVO

Henrique Ramalho

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Escola Superior de Educação de Viseu, IPV


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Resumo:


O principal objetivo deste ensaio é compreender as interseções e (des)conexões ocorridas entre as políticas educativas, com especial enfoque nas políticas de formação de professores, com os pressupostos da agenda da educação inclusiva. Procura-se, ainda, problematizar os sentidos da efetivação dessa agenda com a respetiva ligação ao conceito de desenvolvimento, dirimindo uma compreensão articulada da trilogia formação docente- educação inclusiva-desenvolvimento. Adotamos a hermenêutica como possibilidade metodológica. Em termos de ilação geral, observa-se uma clara tendência para o recentramento da formação docente em referenciais formativos mecanicistas e instrumentais que, ainda que assentes em esforços de desenvolvimento da sociedade para a inclusão, recorrem a estratégias de capacitação, de qualificação, de atualização e de desenvolvimento profissional funcional ao mando administrativo central, em linha com uma ideia de inclusão conectada a uma conceção neoconservadora de desenvolvimento.


Palavras-chave:

Políticas educativas; Formação de professores; Educa- ção inclusiva; Desenvolvimento.

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DATA DE SUBMISSÃO: 2024/03/19 DATA DE ACEITAÇÃO: 2024/06/19 DOI: 10.25767/se.v33iGeral.35161

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Abstract:


The main objective of this essay is to understand the intersections and (dis)connections that occur between educational policies, with a special focus on teacher training policies, with the assumptions of the inclusive education agenda. We also seek to problematize the meanings of implementing this agenda with its respective connection to the concept of development, resolving an articulated understanding of the trilogy of teacher training- inclusive education-development. We adopted hermeneutics as a methodological possibility. In terms of general conclusion, there is a clear tendency to refocus teacher training on mechanistic and instrumental training references which, although based on society’s development efforts for inclusion, resort to training, qualification and updating strategies and functional professional development at the central administrative level, in line with an idea of inclusion linked to a neoconservative conception of development.


Keywords:

Educational policies; Teacher training; Inclusive edu- cation; Development.

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Nota introdutória: definição do objeto de análise e metodologia de referência

A formação de professores tem vindo a emergir como política educativa subsidiária da moderna reforma social, que as sedes de decisão têm, invariavelmente, utilizado como um “importante vetor” das estratégias reformistas da educação, em que o, hoje, movimen- to da educação inclusiva parece corresponder a mais um importante item do “ambiente de reforma perma- nente” (Ferreira, 2011, p. 105, 109) do Sistema, sendo quase dogmático e neutral o princípio de educar para a inclusão.


O principal objetivo deste ensaio é analisar as inter- seções semanticamente empostas entre as políticas de formação docente e entre a agenda da educação inclusiva, conectando-lhes, ainda, a noção subjetiva de desenvolvimento. E isto torna-se tanto mais im- portante, considerando que a educação inclusiva, no contínuo ambiente reformista modernizador, come- ça a ganhar uma identidade de política educativa de charneira, precisamente, sob a forma de regime ju- rídico autónomo (Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de ju- lho), gozando de um estatuto que a tem tornado num dos mais importantes referenciais da atualidade para o planeamento da educação.


Do ponto de vista metodológico, adotamos a herme- nêutica como incursão metodológica (Gadamer, 2012), no encalço de uma abordagem epistemológica em que albergamos a análise e a compreensão do nosso ob- jeto de estudo, sendo suscitada como método de in- terpretação de (con)textos alusivos a um quadro de po- líticas educativas específico: as políticas de formação de professores e as políticas respeitantes ao movimento da educação inclusiva. Neste exercício de cotejo, adotamos o preceito metodológico do círculo hermenêutico (Mant- zavinos, 2014), assim concetualizado:


O que se tenta estabelecer é uma certa leitura de tex- tos ou de expressões e as bases a que se recorre para essa leitura [que] só podem ser outras leitu-

ras. O círculo também pode ser formulado me- diante as relações entre a parte e o todo: tentamos estabelecer a leitura do texto como um todo e para isso recorremos a leituras de suas expressões par- ciais; mas como estamos lidando com significado e com atribuição de sentido, em que as expressões fazem ou não sentido apenas em relação a ou- tras, a leitura das expressões parciais depende da leitura das outras e, em última análise, da leitura do todo. (Taylor, 1971, p. 18).


Desenvolvemos, portanto, uma análise com base em diversos referencias (con)textuais da política de formação de professores, da educação inclusiva e da noção de desenvolvimento, minudenciando-nos no seguinte posicionamento hermenêutico:


A pessoa que tenta compreender um texto está sempre projetando. Ela projeta um significado para o texto como um todo tão logo algum sig- nificado inicial emerja no texto. O significado inicial só emerge porque a pessoa lê o texto com expectativas particulares em relação a um certo significado. A elaboração dessa projeção, que é constantemente revisada conforme o que emer- ge ao se penetrar no significado, é a compreensão do texto (Gadamer, 2003, p. 267).


Advogando que,


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A partir de uma abordagem hermenêutica pode- ríamos dizer que o texto é a mensagem, a fala, o discurso dos sujeitos; o contexto do texto passa a ser o contexto social-político-econômico-cultu- ral-vital dos sujeitos que fazem a experiência do processo educativo, como uma formação crítica ou como alienação. O universo das significações se dá num contexto concreto, mas como captar o discurso (enquanto modo de dizer e interpretar o mundo) do ser-aí? (Ghedin, 2004, p. 5).


Uma análise que, num primeiro momento, procu- ra fazer notar as (des)conexões operadas em sede dos respetivos regimes da formação de professores e da educação inclusiva, dando ênfase a um todo racional sobre o sentido de formar o professor para a educação inclusiva e, recorrentemente, sobre o que é que a edu- cação inclusiva tem suscitado em termos de (re)quali- ficação e de ação docentes.

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Formação de professores

e educação inclusiva: uma articulação concetual complexa

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Com a declaração de Salamanca, decorrente da Con- ferência Mundial Sobre Necessidades Educativas Es- peciais: Acesso e Qualidade (1994), o termo inclusão passou a inundar os discursos políticos e legislativos da educação. Particularmente, é um conceito que se refere à necessidade de incluir crianças e jovens que se apresentam com um leque de características muito alargado, social e culturalmente difuso: “(…) crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que tra- balham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísti- cas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos marginalizados” (Conferência Mundial Sobre Neces- sidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, 1994, p. 4). A propósito, ocorrem duas situações que se mostram subsidiárias entre si: i) por um lado, a conceção de uma escola transbordante (Nóvoa, 2009), que deverá procurar responder à nova demanda mul- tidimensional da circunstância de ser aluno, impli- cando-se-lhe profundas transformações estruturais e funcionais (Decretos-Leis n.º 54/2018 e 55/2018, de 6 de julho); ii) por outro, uma dessas mais importantes transformações relaciona-se com a formação e a capa- citação profissional dos professores, para passarem a lidar com aquela multidimensionalidade de aluno, dando razão à ideia de professor pedagógica e didati- camente extravasante.


Na verdade, o movimento da educação inclusiva, desde a Declaração de Salamanca e, para o caso que nos inte- ressa, passando pelas evoluções legislativas mais recen- tes, designadamente, com o Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, tem vindo a assumir a configuração de uma declaração política de largo espectro social, cultural e, até mesmo, ideológico, na medida em que:

No caso da escola, abrem-se suas portas para todos, mudando-se apenas aspectos periféricos e superficiais dos modos de ensinar-aprender. Difunde-se a ideia de que a inclusão escolar de- pende apenas da boa vontade do professor e do seu modo de ensinar e de relacionar-se com os alunos. Ou seja, fomenta-se a ideologia da inclu- são para que as instituições sociais se eternizem em seu modo excludente de operar. A escola in- clui para que possa continuar excluindo. (Tunes, 2019, p. 19).


De todo o modo, cremos ser plausível adotar uma aná- lise e compreensão dessa declaração política de tim- bre funcional e performativo, em que a formação de professores (Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio, na sua redação atual dada pelo Decreto-Lei n.º 112/2023, de 29 de novembro, Decreto-Lei n.º 22/2014, de 11 de fevereiro, Despacho n.º 779/2019, de 18 de janeiro), ainda que se trate de uma política cronologicamente prévia ao regime da educação inclusiva, reinstituiu-se no sentido de concorrer para a efetivação de uma res- posta educativa em conformidade, perpetuando uma “relação performatizada” prescrita entre o professor, o aluno e o Sistema (Icle & Lulkin, 2013, p. 117). De uma forma geral, a abordagem normativa feita à (re)quali- ficação docente decorre, grandemente, das respetivas políticas de formação, tendo por base, logo no início da institucionalização do respetivo regime, “(…) as condições necessárias à obtenção de habilitação pro- fissional para a docência num determinado domínio” (Decreto-Lei n.º 43/2007, de 22 de fevereiro, p. 1320). Realçava-se, no mesmo diploma, o facto de o legisla- dor adotar um efeito de profissionalização especiali- zada, referindo-se, por exemplo, à opção por alocar a formação profissionalizante ao nível do 2.º ciclo de Bo- lonha que, em Portugal, assume a designação de mes- trado, com o objetivo de elevar o “nível de qualificação do corpo docente” e valorizar o “respetivo estatuto so- cioprofissional” (Decreto-Lei n.º 43/2007, de 22 de feve- reiro, p. 1320). Algo reafirmado em posterior diploma versando o mesmo objeto legislativo (Decreto-Lei n.º 79/2014 de 14 de maio). Assim, os candidatos aos cur- sos de formação de professores da era Bolonha são di- recionados para domínios de habilitação para a docên- cia altamente especializados nos respetivos campos do acesso/permanência da profissão disponíveis, mais especificamente para a organização e gestão escolar, para a avaliação educacional, para o planeamento cur- ricular e para o trabalho pedagógico e didático daí de- corrente. Eis que, em rigor, os processos de formação

de professores surgem completamente fundeados na deriva da hiper especialização, operando-se com


(…) uma instrumentalização dos aspirantes a professores para a reprodução de relações peda- gógicas, didáticas e, consequentemente, sociais e culturais inscritas num essencialismo forma- tivo, segundo o qual a adaptação ao Sistema se sobrepõe à autonomização profissional: (…) se estipula perfeitamente tudo o que deve fazer o professor passo a passo ou, em sua carência, os textos e manuais didáticos que enumeram o re- pertório de atividades que professores e alunos devem fazer etc. Tudo isso reflete o espírito de racionalização tecnológica do ensino, na qual o docente vê sua função reduzida ao cumprimento de prescrições externamente determinadas, per- dendo de vista o conjunto e o controle sobre sua tarefa (Contreras, 2012, pp. 40-41).


Sobre o alinhamento que a formação docente tem com o regime da educação inclusiva (Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho), a questão, per se, não é absolu- tamente linear, em que o termo “inclusão” não surge explícito nem nos regimes de formação (inicial e contí- nua), nem nos principais diplomas que regulamentam todas as demais políticas educativas, designadamente a formação de professores e o regime da habilitação profissional para a docência, incluindo o principal tex- to legislativo reformista da educação em Portugal do pós 25 de abril de 1974 (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro). Uma tímida exceção sublinha-se ao nível do perfil geral e específico do desempenho docentes (Decretos-Leis n.º 240/2001 e 241/2001, de 30 de agosto).


Mormente, os epítetos da ideia de reforma educativa na linha da inclusão encontram as suas sedes norma- tivas no Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho e no De- creto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho. Todas as restantes políticas educativas, incluindo a formação de profes- sores passam, agora, a estar implicitamente submeti- das à agenda reformista destes dois diplomas legais, ou seja, passam a estar subordinadas à função ins- trumental de subsidiar uma conceção prática da ideia de educação inclusiva, instituída a partir de cima e o modo (curricular, pedagógico e didático), centralmen- te prescrito, de implementar essa mesma ideia. Sendo objetivo primeiro deste ensaio relacionar, ainda que de forma abrangente, os insights decorrentes das polí- ticas de formação de professores com os preceitos da agenda da educação inclusiva, cremos que tais polí- ticas, em particular, são mais sensíveis à ausência do vocábulo “inclusão” no seu âmago normativo. Contu-

do, não deixa de ser verdade que os atuais programas de formação (inicial e contínua) de professores, ao in- cluírem, deliberadamente, componentes de educação especial e de educação inclusiva, são um claro vislum- bre daquela subordinação funcional e instrumental. A preceito, primeiro, a educação especial (Decreto-lei n.º 319/91, de 23 de agosto), depois, a educação inclu- siva têm-se assumido como itens reformistas de char- neira das políticas educativas contemporâneas, ainda que, entre si, comportem semânticas pedagógicas e didáticas distintas em extensão e em profundidade:


(…) existe um conhecimento profissional especí- fico dos docentes de educação especial. Ao invés, não creio que exista um conhecimento profis- sional específico para se trabalhar em contextos inclusivos e, mais especificamente, em contex- tos escolares com alunos com necessidades edu- cativas especiais (NEE) (…) a inclusão não exige do professor competências de educação especial, mas requer as competências profissionais carate- rísticas da docência e um conhecimento profis- sional sólido nas suas diferentes dimensões (Lei- te, 2016, p. 2),


em que a segunda não substitui a primeira, e vice-ver- sa, tal como argumentam Ainscow e Miles (2016, p. 154): “(…) as escolas não se tornam inclusivas trans- plantando o pensamento e as práticas da educação es- pecial para contextos regulares de ensino.” Referindo-

-se, especificamente, à formação de professores, Leite (2016, p. 2) insiste que será necessário


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(…) orientar a formação para a inclusão, mas para a inclusão de todos os alunos. Transpor para a sala de aula inclusiva as técnicas e práticas da educa- ção especial não é apenas ineficaz como aumenta os problemas pré-existentes. Uma pedagogia in- clusiva requer um ensino personalizado mas inte- grado num plano geral para todos os alunos.


Coloca-se a questão de saber como é que, na circuns- tância de se assumir, prioritariamente, um especia- lista num determinado nível/ciclo/grupo de recru- tamento e, inclusivamente, no grupo da educação especial, o professor faz o trespasse para a agenda da educação inclusiva, sobretudo quando a entendemos como um ideal que procura contrariar uma “(…) pre- sumida legitimidade de lidar apenas com manifestações particulares” (Mészáros, 2008, p. 62). Por seu lado, a in- clusão dos “diferentes”, por ser demasiado abrangente e, por isso, vaga, corre o risco de ser inscrita em agen- das sociais, culturais e ideológicas que não abdiquem

da sua configuração hegemónica conservadora origi- nal, em que o apelo que se faz ao professor especialista (em educação especial e em todos os restantes grupos) para, também, desenvolver um trabalho inclusivo não simplifica a questão. Pelo contrário, complexifi- ca-a ao ponto de a função docente se manter sob o jugo de “(…) uma variante sociopolítica do reformismo ine- rente à pós-modernidade; um corretivo tipicamente marginal à lógica dominante (Mészáros, 2008, p. 62).


O movimento da educação inclusiva tenderá, portan- to, a envolver o professor especialista e, em particular, o da educação especial em demandas periféricas que criam a sua


(…) aparência humanista (…). O movimento inclu- sivista assume, até de modo impercetível para seus defensores e proponentes, deslocados dos centros de poder, no dia a dia das escolas e no mundo fenômeno das aparências mistificadoras. (…) a explicitação de seus nexos orgânicos com a ideologia neoliberal e seu caráter antidialético, apaziguador e a-histórico. Deve-se questionar como um ajuste pontual possa realmente promo- ver uma grande mudança nas relações institu- cionais e sociais, colocando a escola como agente autônomo em relação aos conflitos de classe e aos objetivos mercadológicos existentes (Bezerra & Araújo, 2013, p. 576).


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Na verdade, suscitamos, aqui, uma discussão, ainda que atomística, entre as tipologias do professor “da educação especial”, do professor “especialista” e do professor “da inclusão”, que toca de perto a circuns- tância de fazer com que os professores passem a jogar num campo socioeducativo que é ideologicamente manejado, onde a ideologia dominante se manifesta, sobretudo, pela sua capacidade de apartar, silenciar ou mitigar os aspetos mais sensíveis e incómodos da sociedade excludente (Chauí, 1980). Primeiro, por- que, indistintamente, todas aquelas tipologias de professor são convocadas para a agenda da educação inclusiva, depois porque a ideia de escola e de edu- cação inclusivas em que atuam não fez desaparecer, nem parece ter atenuado, os efeitos de uma sociedade excludente, considerando as incongruências e as con- tradições ocorridas entre a planificação social domi- nante e o projeto educacional da educação inclusiva (Barroco, 2007). Ao que acresce o apelo em lidar com “(...) a diferença e a diversidade, dimensões impor- tantes da vida humana, [que] mascaram a violência

social da desigualdade e afirmam o mais canibal indi- vidualismo.” (Frigotto, 2005, p. 71). Recorrentemente, o propósito vocacional e examinador que se atribui à formação docente não se desviou da prerrogativa ideo- lógica e cultural


(…) de formar para a empregabilidade [dos alu- nos] tendo em vista mitigar a exclusão social. Se até há pouco, ao professor cabia a tarefa de educar para o trabalho, hoje dele se espera a capacidade de transformar o aluno em cidadão, pró-ativo, flexível, empreendedor, aspirante ao trabalho e tolerante nos momentos em que se encontre sem emprego (Shiroma & Evangelista, 2003, p. 11).


Ao que nos parece ser necessário acrescentar que a educação inclusiva, não a descapacitando como de- claração cultural, política e ideológica relevante, deve mobilizar a formação dos professores não, tão só, para uma conceção do exercício das suas funções como especialista em determinado domínio, incluindo a educação especial, ou, simplesmente, como profis- sional que opera com uma tecnologia de mitigação da exclusão social, a que se dá o nome de pedagogia da inclusão, mas, antes e sobretudo, para a sua formação alinhada com um “(…) compromisso político genui- namente transformador quanto à escolarização das pessoas (…), entendendo esse processo como a síntese de múltiplas determinações.” (Bezerra & Araújo, 2013, p. 577). Não obstante, o professor é colocado numa si- tuação profissional bem mais complexa daquilo que foi no passado, dizendo-se-lhe que tem de efetivar a sua capacitação profissional no sentido de prover a prestação de um serviço educativo na perspetiva do “(…) atendimento das diversas necessidades educacio- nais especiais e para desenvolvimento das diferentes complementações ou suplementações curriculares.” (Alves, 2006, p. 14; Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de ju- lho), aduzindo-lhe o compromisso formativo (inicial e contínuo) para se capacitar para trabalhar com um universo de alunos com diferentes condições cogni- tivas/psíquicas, emocionais, motoras, sociais, cultu- rais e económicas.


A agenda da educação inclusiva traçada pelo Decre- to-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, força, normativa- mente, a assunção consensual e neutra desse com- promisso por parte das escolas e dos professores. Resta saber se não se trata de “(…) alardear um con- senso ideológico superestrutural, […], [conforme] à própria base material excludente e individualista do

sistema.” (Bezerra & Araújo, 2013, p. 583). Mormen- te, a ideia da formação, enquanto eixo fundamental da capacitação docente para a inclusão, associa-se à instrumentação de processos de controlo dessa ca- pacitação (Shiroma & Evangelista, 2003), além de ser um mecanismo muito propício à ideia de reforma educacional conservadora, sugerida pelo movimen- to da modernização educacional, em que a escola e a função docente acabam por ser ressemantizadas como agências periféricas de execução de medidas centrais e da consequente resolução de problemas (Mesqui- ta & Quelhas, 2018) sociais que lhes são exogéneos, na linha, mais uma vez, do pressuposto de que a educação (inclusiva) “faz tudo” (Lima, 2010, p. 419).

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Sobre as logicidades da racionalização da formação docente para a educação

inclusiva na base

da assunção ideológica da reforma

A formação de professores tem vindo a ser anexada a demandas estritamente tecnicistas capacitantes para o exercício da profissão docente (Ferreira, 2011). Por esta via, os docentes afeiçoaram-se à ideia de per- seguir e “colecionar” competências, no quadro de um novo essencialismo educacional que os relaciona cur- ricular, pedagógica e didaticamente com os seus alu- nos e, também, necessariamente, com as suas mais diversas problemáticas. Isto leva a que os docentes, por via das diretrizes instituídas na sua formação ini- cial e contínua, subsidiada, também, pelos perfis e pela avaliação de desempenho (cf. e.g. o Decreto Re- gulamentar n.º 26/2012, de 21 de fevereiro), mantém-

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-se mentalmente conectados à ideologia das compe- tências (Alves, Moreira & Puzio, 2009), tanto mais porque se trata de um conceito absolutamente estru- turante na sua maior ou menor capacidade para os professores se afirmarem, com sucesso, na estrutura de carreira e na consequente trajetória profissional (Cabral-Cardoso, Estêvão, Silva, 2006; Ferreira, 2018). Compreendendo o termo ideologia das competências na li- nha pragmática do paradigma pedagógico conserva- dor (Alves, Moreira & Puzio, 2009), assistimos a uma vinculação, quase sagrada, da formação docente à noção de competência pedagógica e didática, ainda que, variável e estrategicamente ressemantizada por outros termos, como são disso exemplos os concei- tos de capacitação e de (re)qualificação. Trata-se, de resto, de aplicar à formação de professores o método pragmático, consistindo em “(…) tratar as ideias não

mais como formas, mas como função, não precisa- mos mais de perguntar o que é a ideia, mas sim o que ela faz.” (Lapoujade, 2017, p. 51) e como a realizamos, precisamente, na senda do que Zeichner (2013, p. 114) refere como “imperativo do impacto positivo”.


Mantendo-se no jugo da habilitação para a docência com sentido de especialização profissional, também a regime jurídico da formação contínua (Decreto-Lei n.º 22/2014, de 11 de fevereiro), tem vindo a ser conso- lidado na linha de áreas capacitantes centralmente prescritas (Despacho n.º 5418/2015, de 22 de maio), designadamente: i) Área da docência, que consti- tuem matérias curriculares nos vários níveis de en- sino; ii) Prática pedagógica e didática na docência, designadamente a formação no domínio da organi- zação e gestão da sala de aula; iii) Prática e investi- gação pedagógica e didática nos diferentes domínios da docência; iv) Formação educacional geral e das organizações educativas; v) Administração escolar;

vi) Liderança, coordenação e supervisão pedagógica;

vii) Formação ética e deontológica; viii) Tecnologias da informação e comunicação aplicadas a didáticas es- pecíficas ou à gestão escolar. Algo que, salvo algumas exceções, corrobora a tese da tecnização curricular, pedagógica e didática da profissão docente, circuns- tanciando-a mais na esfera de uma formação respon- siva e suscetível de contribuir para a aprendizagem organizacional de cada unidade escolar nos campos curricular, pedagógico e didático, quase exclusiva- mente, orientada para a sala de aula (Formosinho, Machado & Mesquita, 2014; Machado, 2019), em do- mínios específicos emergentes na estrutura do sis- tema educativo, sobretudo os associados à educação especial e, mais latamente, para corresponder às de- mandas da educação inclusiva.


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Passou-se a eleger os contextos e atores locais como sedes vertedores, não apenas, da determinação das prioridades de formação mas, sobretudo, de uma responsabilidade periférica pela acomodação mimé- tica e funcional da formação dos professores a uma determinação tecnicista central e a estratégias de re- solução dos problemas de exclusão escolar e social. Eis que se normaliza a formação como mais uma te- cla do comando à distância e descapacitando-a como apetrecho autonómico das escolas emergidas como “territórios inovantes” (Canário, 1995, p. 13) e de “in- determinação técnica” (Imbernón, 2010, p. 69). Con- gruentemente, a acomodação tecnicista da formação de professores parece sair reforçada na senda do para-

digma de Bolonha, em que, se a formação inicial foi reinstituída com a necessidade de formar um quadro docente permanente na linha de uma determinada conceção de sociedade e da sua vinculação a uma no- ção dogmatizada de educação, de escola de professor e de aluno, a formação contínua mais não é do que o prolongamento desse alinhamento, explicitamente traduzido pela expressão, cada vez mais recorrente, de aprendizagem ao longo da vida.


Como tal, a formação de professores tem evoluído à feição das morfologias das reformas educativas con- temporâneas, mantendo-se à “(…) imagem do ‘mode- lo escolar’ e com influências das lógicas de racionali- zação das reformas educativas, contrariando os prin- cípios participativos, democráticos e emancipatórios que caracterizam a educação de adultos.” (Ferreira, 2011, p. 110). Pela força e veemência com que o mo- vimento da educação inclusiva tem vindo a ser insti- tuído no quadro das políticas educativas, sendo que emerge como política educativa de charneira, tem-se criado uma tendência para racionalizar a formação no sentido contrário ao seguinte posicionamento de Leite (2016, pp. 4, 6):


(…) não é desejável uma formação para a inclu- são, porque na sua verdadeira aceção, a forma- ção prepara ou aprofunda o ensino de todos os alunos. Nesse sentido, toda a formação é para a inclusão e não é desejável falar de uma forma- ção específica para a inclusão.


A propósito, González (2023, pp. 180-181), argumenta que está a ser omitida a ausência de uma construção teórica e epistemológica sobre a educação inclusiva, desde logo, no âmago normativo da formação de pro- fessores, cingindo-se a meras orientações normati- vas formalmente desconectadas:


La visión celebratoria de la formación docente consolida un conocimiento mutilado y limitado para pensar la naturaleza de la educación inclu- siva y su función sociopolítica, más allá de teo- rías y dispositivos de aceptación y acomodación de colectivos en riesgo. Estas ideas documentan que este campo de lucha y producción converge sobre un fenómeno social y político, ante lo cual el conocimiento pedagógico, en su conjunto, demuestra significativas debilidades para in- tervenir sobre las patologías sociales crónicas, que afectan de forma interseccional a todos los

colectivos de estudiantes, (…). La visión celebra- toria de la formación docente para la inclusión, es decir, la corriente estructurada sobre disposi- tivos analíticos de tipo acríticos, modernistas, esencialistas y hegemónicos, epistemológica- mente, se construye mediante un corpus de des- plazamientos analíticos-metodológicos, de tipo atemporales. (…).


E, talvez mais importante, assevera-se a matriz de uma formação inicial e contínua de professores de- masiado endógena e hermética, em que os docentes se mantém demasiado reféns de visões atomísticas da inclusão, reduzidas, como vimos, às suas pró- prias realidades curriculares, pedagógicas e didá- ticas. Eis que se sustenta um modelo de formação na demanda funcionalista pela satisfação de ne- cessidades de formação e desenvolvimento profis- sional inclusivista, tendo como referência, apenas ou quase exclusivamente, a sala de aula e os seus atores, sem que se procure fazer depender a forma- ção para a inclusão, também, de problemáticas or- ganizacionais, sociais e culturais de largo espec- tro, para assumir a partir das escolas, a inclusão, antes de tudo, como uma questão política e cultu- ral, e só depois curricular, pedagógica e didática.

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Sobre as conexões da formação docente e da educação inclusiva à ideia de desenvolvimento

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Apesar de, antes, termos desenvolvido uma herme- nêutica substancial em torno dos conceitos de forma- ção de professores e da sua relação com a educação inclusiva, a noção de desenvolvimento adquire, heu- risticamente, especial relevância neste ensaio, dada a sua influência ascendente sobre as primeiras. Para tanto, bastará uma abordagem semântica à ideia de desenvolvimento à luz da atual planificação social, que a conjeturará como um “mobilizador poderoso” (Gómez, 2011, p. 1), sendo a formação de professores e a educação inclusiva políticas educativas públicas que tendem a orbitar em seu redor. Antes de tudo, será pertinente asseverar a dimensão semântica de feição cultural e ideológica da interpretação que aqui lhe acoplamos, dizendo, a propósito, que assumimos uma noção de desenvolvimento flexível, dinâmica e liberta de qualquer explicação científica mais rígida, adotando-a como metáfora analítica e compreensiva, enquanto construção histórica e sociológica, ainda que, fortemente, conectada às teorias da moderni- dade, que contraditam os princípios da teoria da de- pendência, segundo a qual os níveis diferenciados de (sub)desenvolvimento dependem, sobretudo, das ca- racterísticas particulares dos próprios contextos (Bra- ga & Braga, 2012). A noção de desenvolvimento decorre de agendas sociais, culturais e ideológicas alternati- vas e com distintas possibilidades para se imporem na sociedade, como disso é exemplo a noção de desen- volvimento saída do Consenso de Washington, na linha de uma facienda neoliberal hegemónica (Oliveira, 2020).


Articuladamente, quando mobilizamos as políticas educativas, e para o caso que nos interessa, a forma- ção de professores e a educação inclusiva, a incursão pela ideia de desenvolvimento é inevitável, (re)inscre- vendo a educação na deriva desenvolvimentalista da agenda da hipermodernização iniciada na segunda metade do século passado (Gómez, 2011), com recurso

a um planeamento integrado das diferentes esferas sociais, de onde sobressai a educação como forma de “maximizar potencialidades e reduzir fraquezas” das nações (Gómez, 2011, p. 5). Crê-se, portanto, que a


(…) existência de uma inter-relação (positiva) entre os níveis de educação e de desenvolvimen- to de um país parece ser um facto merecedor de um consenso generalizado. (…) os fundamentos teóricos para a existência de um ‘círculo virtuo- so’ entre educação e desenvolvimento têm tido reflexo ao nível das políticas preconizadas pelas principais instituições mundiais com interesse na área da educação (…). O consenso é tal que se reconhece ter sido o século XX aquele onde se apostou na educação, enquanto investimento em capital humano (Caleiro, 2008, pp. 136-137).


Razão pela qual, os centros de poder económico an- seiam pelo controlo da construção e do acesso ao saber escolar, inserindo a educação na deriva de um desen- volvimento centrado no mercado e não no ser huma- no, na linha da comummente designada sociedade do conhecimento (Favaro & Tumolo, 2016).


Ainda a respeito da ideia de desenvolvimento domi- nante, Gómez (2011, p. 1) refere que


(…) a ideia de desenvolvimento habitualmente utilizada se inscreve plenamente ao corpo ideoló- gico do capital, servindo como instrumento dina- mizador da sua expansão e da acumulação. (…). Ninguém pode estar contra do desenvolvimento. Quem seria capaz de desejar que uma criança, uma planta ou a sociedade em seu conjunto não se desenvolvesse, não melhorasse? Questões tão triviais como estas marcam a essência do discur- so do desenvolvimento que, desta forma, parece- ria um objetivo oni-benéfico, um fim almejado por todos.


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A propósito, a educação inclusiva, como apetrecho epistémico da noção de desenvolvimento, ao cons- tituir-se num dos ângulos mais vincados nas atuais políticas educativas, pode ser analisada no quadro de três tendências, suscitadas por Abrantes (2021): i) a que analisa as sucessivas etapas evolutivas da esco- la, desde a perspetiva da exclusão das diferenças com que os alunos chegavam à escola, passando pela se- gregação ocorrida por meio da institucionalização das diferenças em instituições especiais, pela integração,

com recurso a políticas e práticas escolares de integra- ção dos “diferentes” nas classes ditas regulares, recor- rendo ao novo grupo de recrutamento dos professores de educação especial, até ao apanágio da inclusão, que procura assumir-se, ela própria, como um valor ine- rente aos contextos escolares plurais e multiculturais, captando a ideia da diferença como um atributo de normalidade do Sistema, e implicando reajustes orga- nizacionais, curriculares e pedagógicos, bem como ao nível da formação docente (Casanova, 2018); ii) Numa segunda perspetiva, afere-se à ideia de rutura cultural e social com o modelo de escola instituído e, inclusiva- mente, com o próprio modelo de sociedade de timbre conservador; iii) Na linha de uma terceira perspetiva, a ideia de educação inclusiva surge dotada de um ar- gumentário retórico, que tende a insistir numa tónica de intensificação do trabalho dos professores, espe- cialmente, ao nível curricular, dado que esse trabalho continua inscrito numa deriva “(…) internacional de estandardização dos currículos e da avaliação e con- sequente competição-hierarquização dos alunos, dos professores, das escolas e dos sistemas educativos, di- ficilmente compaginável com um princípio de educa- ção inclusiva, pela sua vocação para segregar e excluir.” (Abrantes, 2021, p. 27); iv) A preceito de iniciativas legis- lativas recentes (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho), surge uma quarta linha de perspetivação da educação inclusiva, assente no princípio da diversificação curri- cular que, por via de processos de autonomização e fle- xibilização curriculares, que procura dar o avale “(…) a múltiplas formas de conceção, desenvolvimento e ava- liação dos percursos de aprendizagem, sem os traduzir em desigualdades” (Abrantes, 2021, p. 27).


Assim, na interseção entre formação de professores, educação inclusiva e desenvolvimento, importa, en- tão, compreender o discurso vigente que decorre desta trilogia. Diríamos que o epicentro será sempre a ideia de desenvolvimento, ainda que a educação inclusi- va surja com maior poder retórico legitimador das reformas ou reestruturações ocorridas nas políticas educativas. Elas, também, incrementadas a pretex- to de uma determinada ideia de desenvolvimento, suscitando uma ligação permanente, ainda que ins- trumental, da educação inclusiva a um moralismo desenvolvimentalista abstrato (Plaisance, 2010) con- temporâneo. Neste entrecho, um dos objetos “natu- rais” da atual formação de professores será, direta ou indiretamente, a educação inclusiva, mas mantendo como fim último uma determinada tipificação de de- senvolvimento social pré-determinada.

Com efeito, a compreensão que fazemos da interseção teórica entre a formação de professores, a educação inclusiva e o desenvolvimento é, necessariamente, paradoxal, mobilizando diferentes incursões conce- tuais, designadamente: i) a Teoria da Dominância So- cial (que procura construir uma retórica legitimadora do Sistema), acoplando-se à Teoria da Justificação do Sistema de Jost e Banaji (1994), na busca de um status quo que seja visto como sendo justo e bom, salvaguar- dando a imagem dos grupos dominantes (Giger et al. 2015); ii) A Hipótese do Contrato de Allport (1954), no sentido de (re)estabelecer o contrato social com novos e diferentes grupos sociais, como forma de mitigar rótulos e estereótipos sociais. No encalço desta se- gunda incursão, simbolizando a educação inclusiva uma nova aparência do contrato social, a mitigação do preconceito social é um dos principais ingredientes a mobilizar na interseção entre formação de professo- res, inclusão e desenvolvimento. Aferimos, então, a uma conceção de desenvolvimento tendo por base o modelo de análise paradoxal, caracterizado por várias tensões. Coerentemente, a diversidade surge como recurso dessa noção de desenvolvimento (Friedman, 2006), na exata medida em que cria uma ideia de co- letividade social e cultural repleta de tensões. Uma dessas tensões é que a formação de professores, na senda de uma educação inclusiva assente na diversi- dade como recurso e condição de partida e de chegada natural, deverá, por fim, atender, paradoxalmente, e, até, de forma conflituosa, às expetativas do in-group e do out-group (Allport, 1954). Referimo-nos a uma ideia de desenvolvimento sob o jugo do inclusivismo, que te- nha como palco um processo social e cultural de nive- lamento e de horizontalização das perspetivas e expe- tativas reais ou exequíveis dos atores sociais no acesso justo e igualitário às oportunidades mais relevantes (Shore, Cleveland & Sanchez, 2018).


Um outro ângulo da abordagem paradoxal é assumir que a sociedade e as suas organizações e atores (desig- nadamente, as escolas) convivem no limbo tensional da exclusão-inclusão (Mor Barack, 2016), sendo de- mandas desenvolvimentalistas em conflito a que a escola e professores devem atender. Ou seja, a adoção de uma postura apologética da inclusão como forma de negar a existência da exclusão será pura ficção, pois, na verdade, são “(…) demandas concorrentes de forma simultânea” (Marques, Lima & Paiva, 2022, pp. 190-191), em que ocorrem tensões permanentes e re- presentam dois lados da mesma moeda. Sem negar essas tensões, precisamente, procura-se a alternativa

de uma ideia de desenvolvimento em que a inclusão concorre para o facto de o ator social se tornar parte de


um sistema organizado e estável com fronteiras e normas persistentes e bem definidas, tão bem estabelecidas e compartilhadas que todos pos- sam segui-la. (…) praticar inclusão implica que todos devem ter voz na definição do coletivo, en- tão as fronteiras devem periodicamente, ou até mesmo constantemente, serem reexaminadas com a participação de novos membros, e as nor- mas e práticas precisam ser avaliadas quanto à adequação e relevância para as condições atuais, necessidades e prioridades. (…) há um certo pres- suposto de que só há inclusão com uma gestão ampla e democrática com participação igualitá- ria de todos os membros, o que reforça um pouco elementos de uma inclusão utópica (Marques, Lima & Paiva, 2022, p. 194).


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Neste encalço, surge um outro aspeto paradoxal da ideia de desenvolvimento, repleto de tensões, normal- mente, pouco aceites por todos: pensar, verbalizar e praticar a inclusão implica, por um lado, proporcio- nar mais conforto para um maior número de pessoas, significando que tal se traduz numa espécie de redis- tribuição do conforto e do bem-estar social, partindo da redefinição dos processos, normas e costumes que envolvem as questões do acesso mais igualitário aos recursos sociais, das oportunidades e da prerrogativa da participação social nas decisões mais importantes para todos, para que a expetativa e o sentimento de pertenciamento sejam facilitados e efetivados, com recurso ao uso de uma diversidade liberta da homo- geneização estrutural, para benefício de todos. Por outro lado, em nome da mesma inclusão, passamos a redistribuir, equitativamente, o desconforto so- cial, dado que, em alguma medida, ele não deixa- rá de existir, pelo que os “eternos” confortáveis de- verão, também, abdicar de parte das suas zonas de conforto individual e grupal ou de classe (Ferdman & Deane, 2014), com a devida ressalva de que nem sempre a zona de conforto significa uma situação de privilégio e de desenvolvimento mais progressista.

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Nota final

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Os contributos hermenêuticos que tecemos em torno da análise e compreensão da relação ocorrida entre políticas de formação de professores, educação inclu- siva e desenvolvimento surgem-nos, necessariamen- te, complexos. Aventamos um ideário social e cultu- ral estruturador dessa relação, suscitando a educação inclusiva como novo essencialismo da capacitação profissional dos professores. No epíteto da reforma educacional perspetivada à luz das atuais políticas educativas, sem dúvida que o termo inclusão passou a inundar os discursos políticos e legislativos da educa- ção, com a respetiva conexão à conceção de uma escola transbordante, em que um dos mais decisivos fatores desse transbordar é a neoformatação profissional que se vai exigindo aos professores, na urgência de serem (re)capacitados para lidarem, eficazmente, com essa novíssima declaração política de largo espectro social, cultural e, até mesmo, ideológico, sem que, no entan- to, se ponham em causa outros tantos fatores de exclu- são sociais. A escola, os professores e a sua formação continuam no limbo reformista de feição hegemónica conservadora, em que a ideia de inclusão e tudo o que lhe subjaz em termos de formação e ação dos professo- res acontece como mero corretivo marginal à lógica do- minante, mantendo intacto o alardear de um consenso ideológico superestrutural de matriz neoliberal, sem que se contrarie, verdadeiramente, a base institucio- nal excludente do Sistema. Paradoxos dos paradoxos, prevê-se mitigar as exclusões sociais e culturais recor- rendo a “reciclagens” (re)qualificantes dos professo- res, de ordem técnico curricular, pedagógica e didáti- ca. Ou seja, tenta-se resolver uma problemática social e cultural recorrendo ao velho tecnicismo pedagógico e didático. Mesmo admitindo a inclusão de conteúdos de ordem mais cultural, como será o caso da cidada- nia e desenvolvimento, eles decorrem de racionalida- des conteudistas centralmente pré-ordenadas. Assim é (re)institucionalizada a formação de professores, face às demandas do inclusivismo, mantendo-as como territórios conservadores e submissos à determinação técnica do velho eficientismo escolar. Tudo isto parece acontecer à luz de uma ideia de desenvolvimento, em torno da qual, a formação de professores e a educa- ção inclusiva tendem a orbitar. Tal circunstância tem permitido reinscrever a educação (inclusiva) na deriva desenvolvimentalista iniciada na modernidade, com recurso a um planeamento integrado das diferentes esferas sociais, de onde sobressai a educação como

forma de maximizar potencialidades e reduzir fraque- zas associadas ao desenvolvimento social e humano, sob a velha égide de uma educação que não abando- na a sua conexão forte à sua funcionalidade produti- va, não a distanciando da noção de desenvolvimento centrada mais no mercado e menos no ser humano.

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