DIÁLOGOS ENTRE A EDUCAÇÃO HISTÓRICA E O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
CRÍTICO: UM ESTUDO DE CASO COM ALUNOS DO 1.º CEB E DO 2.º CEB
Vânia Graça
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto
Cristina Maia
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Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto
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A Educação Histórica apresenta-se como uma área potencializadora do desenvolvimento do pensamento histórico e crítico, através do trabalho com conceitos metahistóricos potenciados pela análise de diversas fontes históricas. Desta forma, trabalhar a multi- perspetiva em História favorece o desenvolvimento do pensamento histórico social e crítico dos alunos, dado que um dos objetivos da mesma é formar indíviduos críticos, interventivos e conscientes na sociedade em que vivem. O presente estudo teve como intuito ave- riguar de que forma o ensino da História contribui para o desenvolvimento do pensamento crítico, atra- vés do desenho de sequências didáticas. Trata-se de um estudo qualitativo, no qual se pretendeu estudar duas realidades educativas: uma turma do 3.º ano e uma turma de 6.º ano de um Agrupamento de escolas do Porto. Utilizaram-se vários instrumentos e técni- cas de recolha de dados como grelhas de observação direta e focus group aos alunos. Para análise dos dados utilizaram-se as técnicas de análise da Grounded Theory. Os resultados permitem concluir que houve alterações no desempenho dos alunos ao nível do desenvolvimento do pensamento crítico, tendo contribuído para que es- tes compreendessem a importância da aprendizagem da História na formação de uma cidadania democrática.
Educação Histórica; formação do indivíduo; pensa- mento crítico e social; 1.º CEB; 2.º CEB.
DATA DE SUBMISSÃO: 2024/09/30
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DATA DE ACEITAÇÃO: 2025/03/14
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History Education presents itself as an area that fos- ters the development of historical and critical think- ing, by working with metahistorical concepts that are enhanced by analysing different historical sources. In this way, working on multiperspective in History favours the development of students’ social and crit- ical historical thinking, given that one of the aims of History is to train critical, intervening and aware individuals in the society in which they live. The aim of this study was to find out how the teaching of history contributes to the development of critical thinking through the design of didactic sequences. It is a qualitative study, which aimed to study two edu- cational realities: a 3rd year class and a 6th year class in a school grouping in Porto. Various instruments and data collection techniques were used, such as direct observation grids and focus groups with stu- dents. Grounded Theory analysis techniques were used to analyse the data. The results allow us to conclude that there have been changes in the students’ perfor- mance in terms of the development of critical think- ing, which has helped them to understand the impor- tance of learning history in the formation of demo- cratic citizenship.
History education; formation of the individual; critical and social thinking; 1st grade; 2nd grade.
Introdução
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Aprender História no século XXI implica o desenvolvi- mento de competências históricas mais desafiadoras cognitivamente, afastadas do velho paradigma tra- dicionalista de um ensino de História memorístico, dando espaço para um ensino de cariz construtivista, em que se promova a desconstrução e reconstrução crítica do conhecimento histórico com recurso à análi- se de diferentes fontes históricas (Graça, 2024). Desta forma, olhar para o ensino e aprendizagem de Histó- ria exige a criação de diferentes ambientes de apren- dizagem em que o aluno tem oportunidade de esti- mular o seu poder de argumentação, através do ques- tionamento de fontes históricas, numa aula-oficina, no qual o aluno analisa, compara, infere e formula questões para retirar as suas próprias conclusões, um pouco à semelhança do trabalho do historiador (Silva, 2003). Ao fomentar ações que desenvolvam competên- cias de criticidade, através da adoção de uma postura crítica perante certas situações, estamos a criar cida- dãos críticos e interventivos, capazes de transformar a sociedade.
Neste sentido, propomos refletir sobre a forma como o ensino da História contribui para o desenvolvimento do pensamento crítico, através do desenho de sequên- cias didáticas que desafiam cognitivamente os alunos a assumir uma postura ativa e de participação na cons- trução da sua aprendizagem histórica, com a inten- ção de que compreendam a importância da disciplina de História na formação da cidadania democrática, alinhada com a necessidade de “aprender a pensar historicamente” (Gómez et al., 2014). Compreender como os alunos e professores pensam a História e que importância atribuem à mesma, permite-nos refletir sobre aspetos relevantes relativos à forma como a tra- balhamos em sala de aula.
Assim, este estudo pretende contribuir com uma re- flexão que promova um ensino e aprendizagem de História direcionado para um olhar mais crítico do mundo, através de práticas pedagógicas que poten- ciem o desenvolvimento do pensamento histórico e crítico dos alunos, dando pistas para que outros professores possam promover este tipo de ativida- des nos seus contextos educativos. Este estudo não permite fazer generalizações dos resultados obtidos, nem é esse o seu intuito, dado que se optou por um estudo de caso múltiplo, no qual se pretendeu com-
preender a realidade de cada um dos contextos edu- cativos investigados. Foram tidas em consideração todas as questões éticas, mantendo-se o anonimato e a confidencialidade dos dados, atribuindo números aos participantes e ocultando rostos nas fotografias.
A Educação Histórica e o desenvolvimento do pensamento crítico
A Educação Histórica tem assumido, atualmente, uma enorme importância, visto que possui uma epis- temologia própria que tem sido mobilizada para o en- sino da História, através da cognição histórica (Barca, 2001). A cognição histórica pretende compreender como os alunos e professores constroem cognitiva- mente as suas ideias em História, através da mobiliza- ção de conceitos metahistóricos e substantivos (Graça, 2024; Seixas & Morton, 2013). Na visão de Barca (2011), a investigação deste campo tem procurado centrar-se na análise dos significados e sentidos que os sujeitos atribuem à História, assim como na própria constru- ção do conhecimento histórico através da narrativa histórica. É neste sentido que a cognição histórica se apresenta importante para o ensino e aprendizagem histórica, uma vez que ela procura compreender como ocorrem os processos cognitivos dos sujeitos ao pen- sarem em História, examinando as relações entre as ideias tácitas (ideias que os alunos constroem a partir das suas vivências) e os conceitos históricos, e explo- rar a compreensão dos alunos quanto aos conceitos históricos, quer de natureza substantiva, quer concei- tos de segunda ordem (Barca & Gago, 2001).
Destacam-se estudos que abriram novas possibilida- des e pistas para melhorar a construção da aprendi- zagem histórica dos alunos em sala de aula e sobre o modo como os mesmos pensavam historicamente (Barca, 2000; Lee, 2001). O conceito de pensamento histórico tem vindo a ser investigado através de inú- meros estudos (Barca, 2000; Seixas & Morton, 2013; Revilla, 2019), facto que tem contribuído para a episte- mologia da Educação Histórica. Pensar historicamen- te trata-se, portanto, de um processo de interpretação do conhecimento histórico, através de fontes históri- cas e do desenvolvimento de conceitos substantivos e metahistóricos que permitem a compreensão históri- ca (significância histórica, mudança/permanência, multiperspetiva, empatia histórica, evidência e ou- tros) (Lee, 2002, 2005; Seixas & Morton, 2013). É, por
isso, um conjunto de operações cognitivas necessárias para se compreender o passado (Duquette, 2015). Lé- vesque (2008) confere-lhe, ainda, uma outra dimen- são: a capacidade de os mobilizar criticamente para os problemas históricos da sociedade. É interessante verificar em estudos como os de Peter Lee, que estes conceitos estão intimamente relacionados com as conceções de alunos acerca da perceção do passado, das evidências históricas e da compreensão empática.
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Para tal, é crucial que os alunos construam as suas ideias históricas com recurso a diversas fontes de in- formação, como a escola, a família, o seu meio social envolvente e os meios de informação e comunicação, no sentido de desenvolverem habilidades cognitivas que lhes permitam compreender a realidade histó- rica a estudar. Neste sentido, o professor deve criar condições para que as crianças possam estruturar o seu pensamento numa perspetiva histórica, de modo que consigam, no seu quotidiano, mobilizar o que ex- ploraram em sala de aula (Barton, 2004; Prats, 2006; Maia, 2010). Desta forma, pretende-se um pensamen- to histórico autocrítico, em que se propõem tarefas que possam favorecer a argumentação histórica, com vista ao desenvolvimento de um pensamento históri- co mais crítico. Por isso, é importante:
ajudar os alunos a aprenderem como analisar e avaliar argumentos históricos, explorando e testando as afirmações que outros fizeram so- bre os significados da evidência e sobre as implicações das afirmações factuais estabeleci- das (Chapman, 2021, p. 23).
Na linha de pensamento de Rüsen (2016), a Educação Histórica e a Didática da História devem estar asso- ciadas à ideia de humanidade para que seja possível a construção da identidade cultural ao longo do proces- so histórico. A isto, Rüsen designa de novo humanis- mo, propondo desta forma, uma Didática da História humanista, que possibilite aos sujeitos terem acesso aos princípios de uma aprendizagem histórica eman- cipadora. Assume, por isso, um papel relevante na formação do indivíduo, dado que tem um desafio per- manente de promoção de atividades que relacionam o passado, o presente e o futuro, “provocando os sujeitos à ação” (Nechi, 2017). Na perspetiva de Nechi (2017), é necessária uma Educação Humanista multiperspeti- vada, assente em diversas interpretações e perspetivas históricas, através da análise de fontes históricas.
Neste sentido, a multiperspetiva em História pressu- põe a reconstrução do pensamento, da forma como se pensa a História e exige uma interpretação e questio- namento constante sobre a evidência histórica, que é feita de uma multiplicidade de olhares sobre o mesmo acontecimento histórico (Gago, 2012; Graça, 2024). Vá- rias investigações têm mostrado a mais-valia de traba- lhar com os alunos uma História multiperspetivada, contribuindo para o desenvolvimento do seu pensa- mento crítico e histórico (Barca & Gago, 2001; Gago, 2006, 2012; Grudinski et al., 2009). Por sua vez, traba- lhar a multiperspetiva em História favorece o desen- volvimento da consciência histórica dos alunos, o que contribui para formar indivíduos críticos, interventi- vos e conscientes na sociedade em que vivem, incen- tivando o respeito pelo outro e a abertura à multicul- turalidade (Alves et al., 2012). Desta forma, os alunos devem compreender que a História é feita de diferen- tes perspetivas, encarando a multiperspetiva como:
a aceitação de diversas visões dos acontecimen- tos tendo como princípio a validade e fiabilidade dessas versões, e por isso a sua complexidade, pois implica o entendimento do ponto de vista do outro num mundo cada vez mais complexo e multicultural e a mobilização de outros conceitos metahistóricos, como a explicação e evidência histórica (Graça, 2024, p. 90).
Neste sentido, a História contribui para a construção de um pensamento social crítico quando é desenvol- vido um trabalho de pesquisa e de questionamento constante sobre problemáticas do presente contri- buindo para a formação de um aluno crítico, cons- ciente da realidade histórica, capaz de mudar atitudes frente aos desafios sociais e impulsionar transforma- ções (Kantovitz, 2012). Pensar criticamente em Histó- ria exige, segundo Barca (2011), a capacidade de apren- der a selecionar respostas mais adequadas acerca do passado e presente, desmontando a ideia de opinião e, assim, conduzindo à compreensão histórica dos alu- nos. Ao fomentar ações que desenvolvam sentimentos de criticidade e adotando um posicionamento crítico perante certas situações, estamos a criar cidadãos crí- ticos que conduzam à transformação da sociedade e à promoção da identidade pessoal e social do aluno. Deste modo, através da análise e exploração de fontes históricas com diferentes perspetivas e suportes, e es- tabelecendo uma ligação com o presente, é possível a construção do conhecimento histórico com um olhar para o mundo. Para tal, o professor deve redesenhar ambientes de aprendizagem ativos que favoreçam a exploração de fontes históricas multiperspetivadas,
estimulando o poder de argumentação do aluno, para que observe e estabeleça comparações, identificando semelhanças para, posteriormente, retirarem as suas próprias conclusões (Silva, 2003).
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Também o trabalho com o conceito metahistórico de significância histórica foi desenvolvido com os alu- nos, quando se procurou compreender a importân- cia que os alunos atribuíam à História. Na perspetiva de Cercadillo (2000) trata-se de um conceito que tem como propósito compreender o significado que se atri- bui a um acontecimento histórico, processo histórico ou até mesmo a uma personagem histórica. Esse pro- cesso de atribuição de significado é influenciado pela família, vivências pessoais, sociais e outras. Cercadi- llo (2000) aponta, também, duas dimensões para este conceito: a dimensão multicultural, em que a signifi- cância é atribuída pelas motivações do indivíduo; e a dimensão dos contextos históricos, dos relatos e das narrativas históricas, no qual se encontra associado aos factos históricos e à sua importância no passado e presente, mas também possui um significado abran- gente que se relaciona com a interpretação histórica mais elaborada, desenvolvendo a literacia histórica.
Na perspetiva de Lee (2016), a literacia histórica é o conjunto de competências de interpretação e com- preensão do passado com recurso a fontes históricas que possibilita orientação temporal na sociedade. Pre- tende-se, por isso, na visão do autor, que os alunos ao terminarem a escola sejam capazes de usar o passado para ajudá-los a atribuir sentido ao presente e ao fu- turo, aquilo a que se designa de consciência históri- ca. Esta trata-se da capacidade de orientação temporal de cada pessoa no seu tempo, tendo como referência os três tempos – passado, presente e futuro. Na linha de pensamento de Jörn Rüsen (2016) que desenvolveu vários estudos sobre a consciência histórica, este con- sidera-a como universalmente humana e como o pro- cesso mental que interpreta o passado de modo a com- preender o presente e antecipar o futuro. Essa orienta- ção temporal possibilita que o aluno possa localizar-se temporalmente na sociedade, de forma crítica e cons- ciente da realidade que o rodeia, potenciando a forma- ção de valores e atitudes que estão presentes na produ- ção do conhecimento histórico, assim como na forma- ção da identidade do indivíduo (Matoso, 1999). Assim, um dos objetivos da História é proporcionar aos alu- nos competências importantes para terem um papel de questionamento ativo e de resolução de problemas.
Delineamento da investigação e aspetos metodológicos
Tendo em consideração o objetivo do estudo já men- cionado anteriormente, delineou-se a seguinte ques- tão de partida: “De que forma o ensino da História contribui para desenvolvimento do pensamento crí- tico?”. De forma a dar resposta à questão enunciada, traçaram-se os seguintes objetivos específicos: a) ana- lisar os contributos de práticas pedagógicas do ensino da História, através do exercício de multiperspetiva, da relação passado/presente e de conceitos de segun- da ordem como mudança e continuidade, para o de- senvolvimento do pensamento histórico crítico; e b) comparar as conceções prévias dos alunos acerca do potencial da História para o desenvolvimento do pen- samento crítico com as suas opiniões finais, depois das intervenções educativas desenhadas.
A presente investigação enquadra-se na metodologia qualitativa que procura compreender os fenómenos educacionais, através da inter-relação do investiga- dor com a realidade que estuda, recorrendo ao estudo de caso múltiplo em que se pretendeu compreender/ estudar uma determinada realidade (Coutinho, 2011). Além disso, ao longo da construção dos instrumen- tos de investigação, baseamo-nos na metodologia de investigação-ação (Latorre, 2004), uma vez que esta contribuiu para uma transformação de práticas, re- fletindo sobre elas, planeando e agindo de outra for- ma ao longo das sessões de intervenção. Procurou-se, portanto, identificar aspetos positivos e aspetos mais débeis na ação educativa, questionando ambientes de aprendizagem, tendo em vista a adoção de práticas e estratégias pedagógicas adequadas e motivadoras, que vão ao encontro das necessidades e potencialida- des do contexto em causa e, assim, construindo um perfil de professor investigador e reflexivo que consiga fazer dos seus alunos cidadãos mais críticos.
O estudo foi desenvolvido com uma turma de 25 alunos do 3.º ano do 1.º Ciclo do Ensino Básico (1.º CEB) (8-10 anos) e uma turma de 27 alunos do 6.º ano do 2.º Ciclo do Ensino Básico (2.º CEB) (10-11 anos), perfazendo um
total de 52 alunos. Fazem parte de um Agrupamento de escolas do distrito do Porto que possui programa de Território Educativo de Intervenção Prioritária 2 (TEIP 2). Trata-se de uma iniciativa governamental implementada nos agrupamentos de escola que se lo- calizam em territórios economicamente e socialmen- te desfavorecidos, marcados pela pobreza e exclusão social, onde a violência, a indisciplina, o abandono e o insucesso escolar são uma realidade que pretendem prevenir e solucionar, através deste programa. Neste contexto TEIP, a turma do 3.º ano demonstrava gran- des dificuldades na leitura de textos, havendo alunos que ainda não liam fluentemente textos. Com os alu- nos do 6.º ano era notória a sua falta de autonomia para a realização das atividades pedagógicas propos- tas, em parte pelo facto de possuírem fragilidades ao nível da compreensão textual, mas também défice de concentração. Ao nível de equipamentos tecnológicos, as salas de aula destas duas turmas tinham um com- putador e um projetor para uso do professor.
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Para a recolha dos dados, delinearam-se dois focus group a seis alunos do 1.º CEB e a seis alunos do 2.º CEB, no qual o primeiro foi aplicado antes das intervenções para compreender as conceções prévias dos alunos acerca do potencial da História para o desenvolvimen- to do pensamento crítico e o segundo após todas as sessões de intervenção para analisar os conhecimen- tos desenvolvidos pelos alunos durante e após as mes- mas. Além disso, optou-se por utilizar grelhas de ob- servação direta, com o objetivo de observar e registar o que foi visualizado ao longo das práticas educativas. Também os trabalhos dos alunos foram tidos como fontes de informação, uma vez que contêm dados re- levantes sobre a aprendizagem dos alunos e, por isso, também foram analisados.
Para a análise dos dados foram utilizadas as técnicas da Grounded Theory para codificar e categorizar os dados em temas centrais, recorrendo ao método de compa- ração sistemática que passa por três fases: codificação aberta, codificação axial e codificação seletiva. Na pri- meira, os conceitos emergem e é atribuído um nome ou código; no segundo, os conceitos são reorganiza- dos em torno de eixos e definem-se relações entre as categorias; e na última codificação, os dados são in- tegrados em torno de um conceito central explicati- vo, no qual emerge a categoria com maior potencial e relaciona-se com todas as outras, conduzindo à de- finição da categoria central (Corbin & Strauss, 2008).
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A construção de sessões de intervenção
Construíram-se sessões de intervenção para as duas turmas, mobilizando diferentes estratégias e recursos que privilegiassem o confronto de diversas fontes sobre a mesma realidade histórica, a multiperspetiva em Histó- ria, assim como o tratamento de informação de fontes históricas que permitissem desenvolver valores ligados à cidadania e a ligação passado-presente-futuro (Tabela 1).
Tabela 1 - Sessões de intervenção desenvolvidas
Ano | Desenho da sessão |
3.º ano | “Os meios de comunicação” (90 min.)
|
“O 25 de Abril de 1974” (90 min.)
| |
6.º ano | “A 1.ª República” (50 min.)
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Análise e discussão de dados
Com o propósito de compreender de que forma o en- sino da História contribui para o desenvolvimento do pensamento crítico, as investigadoras optaram por dividir esta análise tendo em conta duas dimensões:
análise dos contributos de práticas pedagógicas do ensino da História, através do exercício de multipers- petiva, da relação passado/presente e de conceitos de segunda ordem como mudança e permanência, para o desenvolvimento do pensamento histórico crítico; e
comparação das conceções prévias dos alunos acer- ca do potencial da História para o desenvolvimento do pensamento crítico com as suas opiniões finais (de- pois das sessões).
Análise dos contributos de práticas pedagógi- cas do ensino da História para o desenvolvi- mento do pensamento histórico crítico
Para a análise das sessões de intervenção considera- ram-se as notas retiradas das grelhas de observação direta, com o objetivo de averiguar os contributos das experiências de aprendizagem para o desenvolvimen- to do pensamento crítico dos alunos.
Na primeira sessão referente ao 1.º CEB, com o tema “Os meios de comunicação”, privilegiou-se o desen- volvimento de conceitos de segunda como a mudança e permanência, através da análise de imagens sobre a tribo Xucuru-Kariri a comunicar na atualidade e da exploração de um vídeo sobre os meios de comunica- ção, seguido de questões orientadoras que colocavam o aluno a pensar historicamente. Pretendia-se com isto demonstrar que apesar dos meios de comunica- ção terem evoluído, ainda permanece no presente essa forma de comunicação em algumas sociedades, sen- do que noutras se alterou. Repare-se que trabalhar as ideias de mudança e permanência é importante para compreender como permanece ou evolui a realidade histórica, situando-nos no tempo e espaço e explican- do as razões dessas mudanças, contribuindo para dar sentido ao mundo e desenvolver a consciência históri-
ca (Graça, 2024). Além disso, esta atividade permitiu que os alunos desenvolvessem a sua argumentação sobre as vantagens e desvantagens do uso da Internet, através de um trabalho de pesquisa e questionamento, assumindo a posição de favor ou contra, contribuindo para a formação de um aluno crítico, consciente da realidade, capaz de mudar atitudes frente aos desafios sociais e de apontar prováveis transformações impul- sionadoras (Kantovitz, 2012) (Figura 1).
Figura 1- Atividade “favor ou contra?” sobre o uso da Internet
Promoveu-se, por isso, uma atividade em que se in- centivava os alunos a fundamentarem pontos de vis- ta e a lançar hipóteses de explicação. Notou-se que, numa fase inicial, os alunos estavam um pouco enver- gonhados para apresentarem as suas ideias à turma, mas depois, criou-se um ambiente de confiança, o que provocou a reflexão crítica, a divergência de pontos de vista dos alunos e, consequentemente, empenho em defender a sua posição e a justificá-la.
Na segunda sessão, cuja temática foi “O 25 de Abril de 1974”, ressalvamos o desenvolvimento de noções de multiperspetiva em História, por meio da análise crí- tica de variadas fontes e de questões orientadoras. Os alunos identificaram o que havia de comum entre as fontes, se os autores descreviam/falavam sobre o acon- tecimento histórico da mesma forma e justificaram a sua posição, desenvolvendo para isso a argumentação histórica, nomeadamente o desenvolvimento de com- petências de análise e avaliação de argumentos histó- ricos, com base na interpretação da evidência histó- rica (Chapman, 2021). Ensinar os alunos a questionar o passado histórico através de perspetivas distintas é mostrar-lhes que o conhecimento do passado é cons- truído por meio da análise e interpretação da evidên- cia histórica (Gago, 2012). Ao analisar a canção “So- mos livres”, de Ermelinda Duarte, através do preen- chimento de lacunas, possibilitou-se uma melhor compreensão do conceito de liberdade que a cantora
reforça na música. Recorrer ao uso da música como uma fonte histórica que fornece informação sobre um determinado acontecimento histórico configura-
-se como um aliado importante para tornar a História mais motivadora e compreensível aos alunos. Assim, a exploração da simbologia da liberdade representada na canção possibilitou a compreensão do conceito de liberdade, resultando num mapa de ideias (Figura 2).
Figura 2 – Compreensão e construção do conceito de liberdade
“Livre de votar”, “É poder ser livre de escolher”, “É po- der falar livremente”, “Não ter medo” são algumas das ideias que os alunos consideraram ser a liber- dade. Houve, portanto, uma compreensão do con- ceito, através da exploração dos documentos numa aprendizagem por descoberta, na qual o aluno assu- me um papel ativo e participativo na construção do seu conhecimento histórico (Graça, 2024). Assim, explorou-se a relação passado/presente, associada à ideia de mudança, tendo a noção de liberdade como motor e valor a defender. Ao se proceder à análise de fontes históricas foi possível trabalhar conceitos de mudança e permanência que contribuíssem para o desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos, levando-os a pensar sobre o passado, estabelecendo inferências sobre as fontes que indicam como teriam vivido as pessoas no passado (Cainelli, 2008).
Já no que diz respeito à atividade “A 1.ª República” implementada no 2.º CEB, pretendeu-se desenvol- ver, mais uma vez, o pensamento crítico dos alunos através de noções de multiperspetiva em História, pela análise crítica de várias fontes sobre a temática, acompanhada de questões orientadoras (Figura 3).
Figura 3 – Análise de diferentes fontes históricas sobre a temática estudada.
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Os alunos foram questionados sobre os vários docu- mentos históricos, concluindo que todos falavam do mesmo acontecimento de maneira diferente, procu- rando argumentar sobre a posição assumida em cada um deles.
O trabalho do conceito metahistórico de multipers- petiva foi ainda mais aprofundado, pois acreditamos que o seu desenvolvimento em sala de aula potencia o pensamento crítico dos alunos. Neste sentido, apli- cou-se um exercício de multiperspetiva em História que tinha como objetivo averiguar os conhecimentos prévios dos alunos sobre a interpretação e análise de várias fontes sobre a realidade histórica das Cruzadas (Figura 4). Tratava-se de um exercício que não fez parte das sessões de intervenção enunciadas anteriormente e, por isso, realizado num outro momento, mas que constituiu um elemento de recolha de dados relevante para a investigação.
Figura 4 – Fontes históricas do exercício de multipers- petiva em História
Após a leitura de duas fontes escritas, os alunos foram questionados se estes tinham sido escritos pela mes- ma pessoa e se descreviam essa realidade da mesma forma, ao qual todos os alunos responderam que não. Quisemos compreender as justificações dos alunos e, por isso, categorizamos as mesmas (Tabela 2).
que remetem para a construção de inferências com base na interpretação da evidência histórica, dado que apresentavam o confronto de ideias e/ou caracte- rísticas presentes nas três fontes históricas, como de- monstra o exemplo de resposta:
Tabela 2 – Categorias que emergiram das ideias dos alunos acerca da multiperspetiva em História
Categorias | Descritores |
Perspetiva restrita | Integra ideias dos alunos que revelam um entendimento restrito da mensagem, sem atender à perspetiva dos autores. |
Perspetiva restrita condicionada pelo tipo de fonte histórica | Integra ideias dos alunos que revelam um entendimento restrito da mensagem, condicionada pelo tipo de fonte histórica apresentada (ex: fonte histórica escrita e fonte histórica iconográfica). |
Perspetiva básica com base na evidência histórica | Integra ideias dos alunos que revelam a construção de inferências com base na interpretação da evidência histórica. |
Perspetiva com base na opinião do autor | Integra ideias dos alunos que revelam uma explicação com base na informação histórica das fontes e na opinião dos autores. |
Numa amostra de doze alunos, as respostas de dois alunos enquadraram-se na categoria de “Perspetiva restrita”, pois estes demonstraram-se capazes de iden- tificar essa realidade histórica, mas sem ter em con- sideração a perspetiva dos autores. Ora, veja-se nas seguintes respostas:
Não. Este (aponta doc. A) fala das cruzadas. Este fala das cruza- das (aponta doc. B), e este (aponta doc. C) também fala das cru- zadas. (Aluno 5).
O B está a falar da civilização do ocidente e oriente e a C está a falar das cruzadas mas em desenho. (Aluno 3)
Os alunos, também, revelaram ideias que evidencia- ram uma “Perspetiva restrita condicionada pelo tipo de fonte histórica”, no qual inferem que há diferen- tes perspetivas sobre o mesmo acontecimento histó- rico, devido a dois serem documentos escritos e um ser uma fonte histórica iconográfica e, na opinião dos alunos, divergirem:
Eles falam da mesma coisa, só que não estão a falar da mesma ma- neira, por exemplo, o A e o B são documentos, enquanto que o C é uma imagem. (Aluno 1)
Na categoria “Perspetiva básica com base na evidên- cia histórica”, três respostas revelam ideias dos alunos
Os sentimentos são exatamente os contrários. No doc. A diz que foi muito mau, e no B foi muito bom, mais leve. (Aluno 4).
Um fala de maneira que são honrados, da coragem e outro fala da destruição e do modo deles. (Aluno 3)
Veja-se que a resposta do aluno 4 remete para ques- tões emocionais, atribuindo sentimentos possíveis, mediante a interpretação realizada aos documentos históricos.
Por fim, dois alunos justificam a multiperspetiva em História, através de uma “Perspetiva com base na opi- nião do autor”, no qual evidenciam uma explicação com base na informação histórica das fontes e na opi- nião dos autores, ou seja, são autores diferentes que têm distintas perspetivas sobre o mesmo acontecimen- to histórico, pois cada um pensa de forma diferente.
Não porque eles podem ter opiniões diferentes ou então viram a História de uma forma diferente. (Aluno 8)
Assim, a maioria dos alunos demonstrou ser ca- paz de compreender as fontes históricas com mensagens divergentes, uns com ideias históricas mais elaboradas do que outros.
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� Comparação das conceções prévias dos alunos acerca do potencial da História para o desen- volvimento do pensamento crítico com as suas opiniões finais
O primeiro focus group apresentava pontos de discus- são para compreender as conceções prévias dos alunos acerca do potencial da História para o desenvolvimen- to do pensamento crítico aliado ao desenvolvimento de valores e atitudes. Neste participaram 12 alunos no total, sendo 6 alunos do 1.º CEB e 6 alunos do 2.º CEB. Começamos, então, por proceder à análise indutiva das respostas aos tópicos de discussão apresentados, criando-se categorias de análise organizadas hierar- quicamente em termos de complexidade das respostas dadas pelos alunos (Tabela 3).
Eu acho que serve para nós aprendermos mais sobre o passado e para nós não cometermos os mesmos erros do passado. (Aluno 2)
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Repare-se que os alunos chegaram com alguma faci- lidade à ideia de que a História serve para aprender mais sobre o passado e “para evitarmos os erros do pas- sado”, em que se nota a relação do passado, presente e futuro. A ideia histórica evidenciada pelo aluno reme- te para o tipo de consciência histórica exemplar, no qual o passado é visto como uma lição importante a ser tida em consideração no presente e futuro, em que o passado é carregado de uma multiplicidade de exem- plos que conferem validade e utilidade na definição de regras de conduta (Graça, 2024; Rüsen, 1993).
Categorias | Descritores |
Significância causal | Inclui ideias dos alunos que atribuem à História um significado fixo, uma causa, uma consequência. |
Significância passado/ presente | Inclui ideias dos alunos que atribuem à História significados semelhantes em função da perspetiva passado/presente. |
Em primeiro lugar, é importante mencionar que num total de 12 alunos, houve 5 alunos que não responde- ram. Daqui se pode inferir que os alunos não sabiam responder à questão ou tinham receio de o fazer por pensar que a sua resposta pudesse estar errada.
O primeiro tópico de discussão foi relativo à opinião dos alunos sobre o papel/importância da História. No que concerne ao primeiro focus group na categoria “Sig- nificância causal”, registaram-se ideias que atribuem um significado fixo à História, como por exemplo ser- vir para conhecer mais o nosso país e o passado:
Para explorarmos um pouco mais o país. (Aluno 1)
A História serve para aprendermos o nosso passado, sobre as guer- ras, para sabermos mais sobre o nosso país. (Aluno 3)
Os alunos revelaram, ainda, ideias que se enquadra- vam na categoria “Significância passado/presente”, que atribuem à História um valor exemplar em fun- ção da perspetiva passado/presente, vendo o passado como uma forma de aprendizagem para o presente:
Já no segundo focus group, as ideias dos alunos sobre a importância que atribuem ao ensino e aprendizagem de História melhoraram, o que poderá ser justificado pelo facto de estes possuírem agora mais conheci- mentos sobre o tema do que no primeiro focus group, demonstrando ideias históricas mais aprimoradas. Neste sentido, demonstraram ter ideias que se en- quadravam na categoria “Significância passado/pre- sente”, em que, mais uma vez, o passado serve para aprender algo e não cometer os mesmos erros no pre- sente e futuro:
A História serve para aprender o passado, assim negro do nosso país, tentar aprender o que é que levou a isso para não os cometer mais e o que foi bom para nós, tentar reproduzi-lo e usar para nossa vantagem. (Aluno 8).
Não se verificaram ideias que se enquadrassem na categoria “Significância causal”. Além disso, não era nosso propósito estabelecer uma comparação entre os dois níveis de ensino e, por isso, optamos por analisar as ideias dos alunos sem distinguir o ciclo de ensino, dado que o nosso foco era analisar a progressão das suas ideias.
Por último, foi nosso intuito compreender a ativida- de preferida dos alunos. Optou-se por categorizar as respostas segundo a grande intenção das sessões de intervenção: i) relação passado/presente (mudança e permanência); ii) desenvolvimento da multiperspe- tiva em História; e iii) ideia de liberdade como valor importante (Figura 1).
Figura 1- Intenções das atividades que os alunos mais gostaram das aulas de Estudo do Meio e História e Geografia de Portugal
As respostas dos alunos do 1.º CEB evidenciam prefe- rência pela experiência de aprendizagem cuja inten- ção didática foi a relação passado/presente relativa- mente ao tema trabalhado, os meios de comunicação, ou seja, o trabalho de ideias de mudança ou de perma- nência histórica. Como segunda preferência, encon- tra-se a ideia de liberdade como valor relevante que re- sultou na construção de um mapa concetual, e como é que a Revolução de Abril contribuiu para a reposição da liberdade em Portugal. Desta forma, foipossível demonstrar que a História influencia a formação de valores e de atitudes (Kantovitz, 2012).
No que concerne ao 2.º CEB, é visível a notória predi- leção por experiências de aprendizagem que envolve- ram o desenvolvimento da multiperspetiva em His- tória, com recurso a um trabalho de exploração das fontes multiperspetivado sobre a mesma realidade histórica, no âmbito do estudo da 1.ª República. Esta seleção poderá ser justificada pelo facto de ter provo- cado nos alunos curiosidade em compreender que a História é multiperspetividada, não existindo uma única versão da realidade histórica. A atividade com intenção didática relação de passado/presente (mu- dança e permanência) foi eleita em segundo lugar.
Considerações Finais
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O desenho de experiências de aprendizagem com o trabalho de exploração das fontes direcionado para o trabalho da multiperspetiva, da significância e da mu- dança/permanência pode potenciar o desenvolvimen- to do pensamento crítico dos alunos para uma melhor
compreensão da realidade his- tórica que se encontram a estu- dar. O exercício de multipers- petiva em História demonstrou que os alunos compreenderam as fontes históricas com men- sagens divergentes, apresen- tando ideias que se enquadra- vam numa “Perspetiva básica com base na evidência históri- ca”, que remetiam para a cons- trução de inferências com base na interpretação da evidência histórica, dado que apresenta-
vam o confronto de ideias e/ou caraterísticas presentes nas fontes históricas. Relativamente à significância histórica, os alunos revelaram uma significância pas- sado/presente, atribuindo à História um valor exem- plar em função da perspetiva passado/presente. Ven- do o passado como uma forma de aprendizagem para o presente, reconheceram uma das funções sociais da História. Esta ideia histórica evidenciada pelos alunos remete-nos para uma consciência histórica exemplar, o que corrobora a importância de se desenvolver con- ceitos metahistóricos (pensamento histórico), como a significância histórica, para que seja possível desen- volver a consciência histórica, que é a capacidade do ser humano se orientar no tempo, tendo sempre como referência o passado, presente e futuro. Sem o traba- lho de conceitos metahistóricos em sala de aula torna-
-se difícil o desenvolvimento do pensamento históri- co e, por consequência, da consciência histórica. Por fim, importa salientar que o presente estudo apresen- ta algumas limitações pela pequena amostra de alu- nos e pelo reduzido número de sessões de intervenção. No entanto, conseguimos concluir que boas práticas pedagógicas no ensino da História, com o trabalho da multiperspetiva em História, do estabelecimento de relações passado/presente e de conceitos de segunda ordem como mudança/continuidade e significância
histórica, permitem o desenvolvimento da literacia histórica e do pensamento crítico dos alunos. Sabe- mos o quanto este tipo de intervenção é fundamental na formação de cidadãos mais conscientes e críticos e, por isso, estes exemplos de práticas pedagógicas podem contribuir para a formação da consciência his- tórica dos alunos, no qual o pensamento histórico é fomentado pelo trabalho de conceitos metahistóricos em aula, exigindo, assim, que desenvolvam o seu pen- samento crítico sobre a realidade histórica em estudo.
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