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IMPLICAÇÕES DA DEFICIÊNCIA AUDITIVA NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS REGULARES DE MOÇAMBIQUE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Joao Almeida Mucuna
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Universidade Catolica de Mocambique
A deficiência auditiva tem implicações significa- tivas no processo de aprendizagem das crianças nas escolas regulares de Moçambique, impactan- do a comunicação, a linguagem, a leitura e a es- crita. Este estudo discute os desafios enfrentados por essas crianças no ambiente escolar, as práticas pedagógicas inclusivas existentes e as lacunas no sistema educativo em termos de apoio a essas ne- cessidades. A pesquisa foi conduzida por meio de uma revisão bibliográfica, com critérios rigorosos de selecção de artigos revisados por pares, publi- cados entre 2010 e 2024, obtidos através das ba- ses PubMed, Scopus e Google Scholar. A análise das fontes permitiu identificar lacunas na literatu- ra, práticas emergentes e soluções para a inclusão escolar. Constatou-se que, para além das barreiras estruturais e pedagógicas nas escolas, é fundamen- tal a implementação de adaptações curriculares, a capacitação contínua de professores e o uso de tecnologias assistivas para garantir uma inclusão eficaz no sistema educacional.
Deficiência auditiva; Educação inclusiva; Escolas regulares; Moçambique
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DATA DE SUBMISSÃO: 2024/11/28
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DATA DE ACEITAÇÃO: 2025/01/06
Hearing impairment has significant implications for the learning process of children in regular schools in Mozambique, affecting communication, language, reading, and writing. This study discuss- es the challenges faced by these children in the school environment, existing inclusive teaching practices, and the gaps in the educational system regarding support for these needs. The research was conducted through a bibliographic review, with strict criteria for selecting peer-reviewed ar- ticles published between 2010 and 2024, obtained from the PubMed, Scopus, and Google Scholar da- tabases. The analysis of the sources identified gaps in the literature, emerging practices, and solutions for school inclusion. It was found that, in addition to structural and pedagogical barriers in schools, the implementation of curriculum adaptations, continuous teacher training, and the use of assis- tive technologies are essential to ensure effective inclusion in the educational system.
Hearing impairment; Inclusive education; Regular schools; Mozambique
Introduction
A educação desempenha um papel crucial no desen- volvimento social e económico, sendo um direito fun- damental para todos os indivíduos, independente- mente de suas condições físicas, mentais ou sociais, como sustenta a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2020). Entretanto, para que a educação seja meramente in- clusiva, é necessário adaptá-la às necessidades espe- cíficas de diferentes grupos de alunos que frequentam as escolas, como é o caso de crianças com deficiência auditiva, sendo esta uma das condições que pode im- pactar profundamente o processo de aprendizagem, principalmente em contextos educacionais onde a co- municação oral é a principal forma de transmissão de conhecimento e sabedoria (Medeiros, 2018).
Em Moçambique, a inclusão de alunos com deficiên- cia auditiva nas escolas regulares tem ganhado rele- vância, com esforços contínuos para integrar esses alunos no sistema educacional. No entanto, apesar das políticas públicas voltadas para promover a inclu- são, muitos desses alunos ainda enfrentam desafios significativos. A falta de infraestrutura adequada, a escassez de materiais pedagógicos especializados e a formação insuficiente dos professores são algumas das barreiras que dificultam a plena participação des- ses alunos na vida escolar (Marrengula, 2021).
A inclusão de alunos com deficiência auditiva nas es- colas regulares não se limita a um desafio pedagógico, mas exige mudanças significativas na concepção do ensino e na adaptação do currículo. Essas modificações são necessárias para garantir que esses alunos tenham as mesmas oportunidades de aprendizagem que os de- mais. Além disso, o papel da formação docente é fun- damental, pois os professores devem estar preparados para atender às necessidades específicas desses alunos (Medeiros, 2018). A disponibilização de recursos, como intérpretes de Língua de sinais, tecnologias assistivas e materiais pedagógicos acessíveis, também é essen- cial para superar as barreiras comunicativas e facilitar o processo de aprendizagem (Santos, 2019).
Este artigo tem como objectivo analisar as implica- ções da deficiência auditiva no processo de aprendi- zagem nas escolas regulares de Moçambique, abor- dando os aspectos referentes aos desafios enfrentados
pelos alunos com deficiência auditiva, bem como as estratégias pedagógicas inovadoras que podem pro- mover uma educação abrangente, inclusiva e de qualidade. Assim, a partir destas reflexões, busca-
-se contribuir para o entendimento e a promoção de soluções que favoreçam a integração desses alu- nos, alinhando-se aos princípios de justiça social e equidade no contexto educacional moçambicano.
Metodologia
A metodologia adoptada para esta revisão bibliográfi- ca teve como foco analisar as barreiras pedagógicas, as práticas inclusivas e o uso de tecnologias assistivas no processo de aprendizagem de crianças com deficiência auditiva, com ênfase no contexto de Moçambique. A abordagem foi estruturada de forma sistemática para garantir a relevância e a qualidade das fontes utilizadas.
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A pesquisa seguiu critérios rigorosos de inclusão e ex- clusão de fontes para garantir a relevância e qualidade das publicações seleccionadas. Foram incluídos ape- nas artigos revistos por pares, publicados entre 2010 e 2024, que tratassem de temas relacionados com a defi- ciência auditiva, educação inclusiva e o uso de tecno- logias assistivas. As fontes seleccionadas precisavam também abordar directamente a inclusão escolar no contexto de Moçambique ou em cenários semelhan- tes, permitindo uma análise comparativa relevante. Por outro lado, foram excluídos estudos que não tra- tavam especificamente da deficiência auditiva ou das questões educacionais relacionadas, bem como publi- cações anteriores a 2010, a não ser que se referissem a teorias fundamentais ou marcos históricos importan- tes para o entendimento do tema.
A pesquisa foi realizada nas bases de dados PubMed, Scopus e Google Scholar, reconhecidas por seu rigor aca- démico e acesso a artigos revistos por pares. Estas pla- taformas foram escolhidas devido à sua abrangência e fiabilidade nas áreas de educação e saúde. Essas plata- formas foram escolhidas devido ao seu amplo acesso a artigos revisados por pares, garantindo a credibilida-
de das fontes consultadas. O uso dessas bases de da- dos facilitou a obtenção de uma variedade de estudos sobre deficiência auditiva, educação inclusiva e tecno- logias assistivas.
Foram usadas combinações de palavras-chave como “deficiência auditiva”, “educação inclusiva”, “Mo- çambique”, “tecnologias assistivas” e “Língua de Si- nais Moçambicana”, utilizando operadores booleanos como “deficiência auditiva AND educação inclusiva AND Moçambique”. Isso permitiu refinar a busca e ob- ter resultados mais relevantes para o tema.
A análise das fontes seguiu uma metodologia em duas etapas: primeiro, foi realizada uma triagem inicial com base nos títulos e resumos dos artigos para seleccionar aqueles relevantes; em seguida, as publicações foram lidas integralmente e ava- liadas quanto à qualidade metodológica, aplica- bilidade e rigor dos dados. Os temas emergentes foram identificados e organizados para reflectir barreiras pedagógicas e estruturais, práticas pe- dagógicas inclusivas, uso de tecnologias assisti- vas e impacto das políticas públicas na educação inclusiva.
Após a análise, os dados foram sintetizados para iden- tificar as principais lacunas na literatura, boas práti- cas e possíveis soluções para a inclusão das crianças com deficiência auditiva em Moçambique. A interpre- tação das fontes foi realizada de forma crítica, com foco nas implicações educacionais e sociais da defi- ciência auditiva e nas estratégias que podem ser adop- tadas para superar as barreiras existentes.
Essa metodologia permitiu uma análise detalhada e crítica sobre a inclusão de crianças com deficiên- cia auditiva, com foco na realidade de Moçambique e em possíveis intervenções educacionais eficazes.
Deficiência Auditiva no Processo de Aprendizagem
Neste ponto, busca-se a compreensão sobre o que ca- racteriza a deficiência auditiva e suas implicações no desenvolvimento cognitivo e social das crianças du- rante o processo de aprendizagem.
De acordo com Silva Silva (2008) a deficiência auditiva é caracterizada pela redução da capacidade de percep- ção normal dos sons, sendo que considera-se surda a pessoa cuja percepção não é suficiente na vida co- mum, parcialmente surdo, a aquele em que a audição, ainda que deficiente, é funcional com ou sem prótese auditiva. Para a American National Standards Institu- te (ANSI - 1989), a deficiência auditiva é descrita como a diferença existente entre o desempenho dos indiví- duos e a habilidade normal para a detecção sonora.
Segundo Bendaque (2015), a deficiência auditiva se caracteriza pela perda da capacidade de ouvir, sendo definida por qualquer alteração no processo auditivo que esteja fora dos padrões normais, independente- mente da causa, intensidade, local ou momento da lesão. Forte (2015) partilha dessa visão, destacando que a perda auditiva pode resultar de distúrbios no de- senvolvimento do processo auditivo, e que as origens dessa alteração podem ser variadas.
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Portanto, Tanto Silva (2008) quanto Bendaque (2015) e Forte (2015) concordam que a perda auditiva pode ser resultado de diferentes factores, como alterações no processo de audição, sem importar a causa ou o mo- mento da lesão. Neste sentido, a deficiência auditiva, como condição que afecta a capacidade de perceber os sons da forma normal, é um tema amplamente discu- tido e compreendido de diversas maneiras, dependen- do da intensidade e das causas envolvidas
A literatura aponta que a deficiência pode variar desde a surdez total até formas mais leves, em que a audição permanece funcional com o auxílio de dispositivos au- ditivos. A compreensão dessa diferença é crucial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de interven- ção e inclusão social, garantindo que as pessoas com deficiência auditiva possam participar plenamente da vida social, educacional e profissional.
Neste sentido, a deficiência auditiva, olhando sobre os seus diferentes graus, pode variar em relação ao impacto que causa nas capacidades de comunicação, percepção e interacção social, afectando directamente o processo de aprendizagem dos alunos, principalmente em ambien- tes escolares onde não oferecem adaptações específicas para atender às suas necessidades (Silva, 2019).
AmericanNational Standards Institute (ANSI, 1989) realça que existem diversos tipos de deficiência audi- tiva: Condutiva: causada por problemas na transmis- são do som, geralmente corrigíveis com tratamentos clínicos ou cirúrgicos. Sensório-Neural: causada por lesão nas células da orelha interna, frequentemente irreversível. Mista: combinação de perda condutiva e sensório-neural. Central: dificuldade na compreen- são das informações sonoras, mesmo sem diminuição da sensibilidade auditiva.
Assim, esses diferentes tipos de deficiência auditiva bloqueiam abordagens específicas para diagnóstico e tratamento, uma vez que cada tipo apresenta caracte- rísticas e causas específicas. É nesta perspectiva que se chama a atenção da necessidade de adopção de proces- so de inclusão das crianças com deficiência auditiva no processo de aprendizagem, levando em considera- ção os tipos específicos de deferência auditiva que as crianças apresentam.
As teorias de Vygotsky (sobre o desenvolvimento social e a aprendizagem) e Bronfenbrenner (sobre os siste- mas de apoio ao desenvolvimento) constituem mar- cos teóricos que subsidiam a questão de envolvimento das crianças com deficiência auditiva no processo de aprendizagem das crianças em idade escolar.
Vygotsky (1978) enfatiza o papel crucial das interac- ções sociais no processo de desenvolvimento cogni- tivo. Ele propôs o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que sugere que as crianças têm maior potencial de aprendizagem quando são guiadas por indivíduos com mais experiência, como professores, colegas ou outros participantes do ambiente educacio- nal. No caso das crianças com deficiências auditivas,
sua teoria aponta a necessidade de um ambiente so- cial estimulante, onde elas possam interagir entre si, utilizando a linguagem gestual ou outras formas de comunicação acessíveis para promover a aprendiza- gem e o desenvolvimento.
Em quanto que Bronfenbrenner (1978) propõem que o desenvolvimento infantil é influenciado por múlti- plos níveis de ambientes, desde a família imediata até os sistemas sociais e culturais mais amplos. Essa teo- ria é útil para compreender como crianças com defi- ciência auditiva navegam em sistemas educacionais.
Bronfenbrenner na sua teoria sugere que o desenvolvi- mento das crianças depende da interacção entre esses sistemas e de como o apoio que recebem de cada um deles é coordenado. No caso das crianças com deficiên- cia auditiva, a presença de professores capacitados, a utilização de linguagem gestual nas escolas e o apoio da comunidade são factores cruciais que necessitam de um funcionamento integrado, com vista a apoiar o desenvolvimento educacional dessas crianças.
Assim, tanto a teoria de Vygotsky (1978) e Bronfen- brenner (1978) realçam a importância de construção de um ambiente de aprendizagem inclusivos e colabora- tivo, o que é particularmente relevante para crianças com deficiência auditiva, que podem enfrentar desa- fios adicionais no processo de aprendizagem devido à falta de recursos tanto estrutural, material e humano especializado para a tender as necessidades das crian- ças que apresentam estas dificuldades durante o pro- cesso de aprendiza.
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Portanto, a tendência da deficiência auditiva em crianças em idade escolar em Moçambique foi abor- dada em estudos realizados durante os últimos três censos populacionais e habitacionais (INE, 1997, 2007 e 2017). De acordo com o Censo Populacional e Habi- tacional de 2017, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), cerca de 2,7% da população de Mo- çambique vive com algum tipo de deficiência, o que equivale a aproximadamente 727.620 pessoas. Embora a deficiência auditiva represente uma parte conside- rável deste grupo, os dados específicos sobre sua pre- valência em crianças em idade escolar ainda são escas- sos e fragmentados.
Sendo mais específico, em 2024 o relatório do Minis- tério da Educação e Desenvolvimento Humano do avanço que se teve em relação a obtenção de dados re- lacionados a inclusão escolar, constatou-se que cerca de 21% dos alunos matriculados no ensino pré-escolar até o secundário geral apresentam algum tipo de defi- ciência auditiva. Portanto, esse número reflecte tanto a prevalência da condição quanto a ampliação de es- forços para identificar e incluir crianças com deficiên- cia auditiva no sistema educativo (MEDH, 2024).
De acordo com World Vision Moçambique (2024), as evidências disponíveis mostram que factores como doenças infecciosas (sarampo e meningite que perma- necem em Moçambique), complicações durante o par- to e o acesso restrito a cuidados de saúde são determi- nantes críticos para o aumento da deficiência auditiva em crianças em idade escolar. As barreiras culturais e sociais limitam a procura por cuidados especializa- dos, contribuindo para a exclusão dessas crianças do sistema de saúde e educação são apontados como ou- tros factores que contribuem para a prevalência da de- ficiência auditiva em crianças.
Segundo o MINEDH (2024) a aproximadamente duas em cada três crianças com deficiência no país não fre- quentam a escola, evidenciando a necessidade de po- líticas mais inclusivas e intervenções eficazes, porém as escolas encontram-se com serias dificuldades em termos estruturais e pedagógicas, agravando ainda mais a situação das crianças com estas necessidades educativas especiais.
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Portanto, esses desafios não são exclusivos do sector educacional, mas reflectem uma lacuna mais ampla no sistema de saúde e na sociedade em geral. É nesta vertente que se apontam a necessidade urgente de in- tervenções multissectoriais que abordem tanto os de- terminantes clínicos quanto os sociais desta condição, promovendo a equidade no acesso aos serviços de saú- de e educação para crianças com deficiência auditiva.
O ambiente escolar, muitas vezes, não está preparado para receber crianças com necessidades especiais, o que dificulta a participação plena e o sucesso académi- co dessas crianças. Além disso, a maioria das escolas públicas em Moçambique não conta com a formação necessária para lidar com alunos com deficiência au- ditiva, o que agrava ainda mais a situação (The Borgen Project, 2024).
Esses factores estruturais, somados a barreiras cultu- rais e sociais, como o estigma em relação à deficiên- cia, tornam o processo de inclusão mais complexo, afectando directamente a qualidade da educação das crianças com deficiência auditiva no país (Frontiers, 2023). A World Vision Moçambique (2024) enfatiza a importância de fortalecer parcerias entre o governo e organizações não-governamentais para ampliar o acesso a materiais e infra-estrutura inclusiva de modo a garantir que as crianças com deficiência auditiva te- nham acesso a escola e um ensino de aprendizagem de qualidade.
A deficiência auditiva tem implicações profundas no processo de aprendizagem das crianças, no qual tem influenciado para o fraco desenvolvimento das vá- rias áreas durante as etapas do seu crescimento. Para Keller et al., (2021) quanto a comunicação e desenvol- vimento da linguagem, a perda auditiva prejudica a capacidade das crianças de perceber e produzir sons, o que compromete sua comunicação eficaz. Esse déficie pode afectar negativamente o desenvolvimento tanto da linguagem oral quanto escrita e limitar as interac- ções sociais. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (2023), as crianças com deficiência auditiva enfrentam frequentemente dificuldades em expressar os seus pensamentos e sentimentos, o que pode levar ao isolamento social e à dificuldade em compreender as normas sociais e comunicativas.
Relativamente a barreiras na comunicação e desenvol- vimento da linguagem, a comunicação é um dos pilares do aprendizado, e a deficiência auditiva pode dificultar não só a recepção de informações verbais, mas também a capacidade de interagir com colegas e professores. Entretanto, a falta de acesso completo à linguagem fa- lada limita a aquisição de vocabulário e a construção de frases complexas, o que afecta o desenvolvimento da fala e da linguagem em uma idade crucial para o apren- dizado escolar (Marschark & Knoors, 2012). Além disso, a capacidade de se integrar à dinâmica da sala de aula é comprometida, uma vez que a interacção com outros alunos e professores é fundamental para a assimilação de conceitos (Kelleret al., 2021).
No que respeita ao impacto nas competências de lei- tura e escrita, a deficiência auditiva pode também afectar directamente estas competências, essenciais para o sucesso académico. Crianças com deficiência auditiva podem ter dificuldades em associar sons e
letras, uma habilidade crucial para a alfabetização. A leitura, que depende da decodificação e compreensão da linguagem escrita, é significativamente afectada, pois esses alunos têm menos exposição ao vocabulário falado e à gramática complexa (Marschark & Knoors, 2012). Assim, a escrita pode ser prejudicada devido à dificuldade em compreender as regras fonológicas e gramaticais da língua, tornando o processo de apren- dizagem mais árduo.
Quanto aos aspectos psicossociais, para além dos im- pactos cognitivos, as crianças com deficiência auditi- va enfrentam frequentemente desafios emocionais e psicossociais, como sentimentos de exclusão, frustra- ção e baixa auto-estima (Marschark & Knoors, 2012). O isolamento social pode ocorrer quando as crianças têm dificuldades em interagir com os seus colegas, sobre- tudo em ambientes educacionais onde a comunicação verbal é predominante. O estigma relacionado com a deficiência auditiva pode agravar estes sentimentos de exclusão, afectando o bem-estar emocional e social das crianças (World Health Organization, 2023).
Estes desafios interligam-se, criando um ciclo que pode afectar a auto-estima e o desempenho académi- co das crianças com deficiência auditiva. A superação destes obstáculos exige uma abordagem educacional inclusiva, que forneça o suporte necessário para aten- der às suas necessidades específicas.
A inclusão de crianças com deficiência auditiva no sis- tema educacional moçambicano exige uma aborda- gem mais abrangente do que simplesmente garantir o acesso físico às escolas. Segundo Skidmore (2004), a verdadeira inclusão não se limita ao espaço físico, mas implica uma transformação profunda das prá- ticas pedagógicas, recursos adaptados e políticas pú- blicas que possam atender às necessidades específicas dessas crianças. É neste sentido que a inclusão deve ser entendida como um processo contínuo de adap- tação do sistema educacional, que visa garantir que todos os alunos, independentemente das suas con- dições, possam participar de forma significativa na aprendizagem.
Neste sentido, uma das principais estratégias para ga- rantir a inclusão de crianças com deficiência auditiva é a adaptação curricular. A personalização do ensino, que pode incluir o uso de recursos visuais, audiovi-
suais e o ensino de leitura labial, tem-se mostrado efi- caz na promoção da aprendizagem. Segundo Oliveira e Rodrigues (2012), essas adaptações têm um impacto positivo na aprendizagem, permitindo que as crian- ças acompanhem o ritmo da turma e integrem-se ao ambiente escolar. No entanto, a adaptação curricu- lar não se limita ao uso de métodos pedagógicos di- ferenciados. A introdução de tecnologias assistivas, como aparelhos auditivos, softwares de leitura labial e dispositivos de amplificação sonora, também tem um papel importante. Estudos de Lacerda et al. (2017) mostram que essas tecnologias ajudam a melhorar a comunicação e a participação das crianças em sala de aula, promovendo uma aprendizagem mais activa e autónoma.
A Língua de Sinais Moçambicana (LSM) é vista como outra alternativa que garante a comunicação eficaz entre os professores e os alunos com deficiência audi- tiva. A LSM não apenas facilita o acesso ao currículo, mas também desempenha um papel crucial na inclu- são social das crianças. Lessa (2020) enfatiza que a LSM é a língua mais próxima da experiência das crianças surdas, e o seu domínio é essencial para que os alunos se sintam plenamente integrados no ambiente esco- lar. Contudo, o ensino de LSM enfrenta dificuldades significativas em Moçambique, especialmente devido à escassez de professores capacitados e à falta de intér- pretes especializados, o que prejudica a comunicação eficaz.
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Além disso, a formação contínua dos professores é um componente essencial para a inclusão das crian- ças com deficiência auditiva. É essencial que os edu- cadores recebam capacitação em métodos de ensino inclusivos e no uso de ferramentas de comunicação alternativa, como a Língua de Sinais. Para Fernandes e Silva (2015), a formação deve ser contínua, de modo que os professores possam adaptar-se constantemente às necessidades dos seus alunos e utilizar as melho- res estratégias para garantir o sucesso académico das crianças com deficiência auditiva. A formação tam- bém deve incluir o uso de tecnologias assistivas, que são ferramentas essenciais para criar um ambiente de aprendizagem acessível.
A implementação de políticas públicas voltadas para a inclusão de crianças com deficiência auditiva en- frenta diversos obstáculos. Apesar da existência de documentos como a Política Nacional de Educação Inclusiva (2020-2029) e a Lei de Educação Especial (Lei
nº 6/2008), a realidade nas escolas ainda apresenta deficiências significativas, como a falta de infra-es- trutura adequada, incluindo salas adaptadas e mate- riais específicos. Além disso, a escassez de professores treinados em educação inclusiva e no uso da Língua de Sinais Moçambicana representa um grande desafio para a efectiva aplicação dessas políticas. Este facto foi observado através do relatório do MISAU (2021), que aponta que muitos professores não têm a formação necessária para lidar com a diversidade nas salas de aula, o que prejudica a comunicação e o desempenho escolar das crianças surdas. Neste contexto, a adapta- ção curricular e a criação de ambientes de aprendiza- gem inclusivos tornam-se questões prioritárias.
Outro desafio importante é a sensibilização das co- munidades e das famílias. O estigma associado à de- ficiência auditiva, especialmente nas áreas rurais, muitas vezes leva à exclusão social das crianças sur- das. Iniciativas ligadas à sensibilização das famílias e comunidades em geral podem ser vistas como pro- gramas que ajudem a reduzir esse estigma e a promo- ver uma maior aceitação das crianças com deficiência auditiva no seio das comunidades (Mendes, 2018). Assim, quando as famílias compreendem melhor as necessidades dessas crianças, tornam-se mais dispos- tas a apoiar o seu desenvolvimento e a sua integração escolar, o que tem um impacto directo no sucesso das crianças durante o percurso académico e no bem-estar das mesmas durante toda a sua vida.
Para garantir uma verdadeira inclusão das crianças com deficiência auditiva em Moçambique, é neces- sário um esforço conjunto que envolva tanto o siste- ma educacional quanto a comunidade em geral. As políticas públicas devem ser revistas e implementa- das de forma mais eficaz, com ênfase na formação de professores, na adaptação curricular e na disponibi- lização de recursos adequados, como tecnologias as- sistivas. Somente por meio de um sistema educacio- nal inclusivo, que compreenda as especificidades das crianças com deficiência auditiva, será possível ga- rantir que elas tenham as mesmas oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento que os seus colegas.
Conclusão
A deficiência auditiva nas crianças em idade escolar representa um desafio significativo no processo de aprendizagem, particularmente nas escolas regulares de Moçambique, devido à complexidade e às diversas formas dessa condição. As implicações dessa deficiência vão além da limitação da percepção e produção de sons, afectando directamente as habilidades de comunicação, sociais, cognitivas e emocionais dessas crianças. O im- pacto da deficiência auditiva nas capacidades de leitura, escrita, interacção social e desenvolvimento emocional é evidente, resultando em dificuldades académicas, ex- clusão social e, muitas vezes, num ciclo de baixa auto-
-estima e isolamento.
No contexto moçambicano, onde a prevalência da defi- ciência auditiva tem aumentado devido a factores como doenças infecciosas e acesso limitado aos cuidados de saúde, a inclusão de crianças com essa condição nas es- colas regulares enfrenta barreiras significativas. O am- biente escolar, em grande parte, não está preparado para receber alunos com necessidades especiais, especialmen- te em relação à falta de formação de professores, recursos adequados e infra-estrutura inclusiva. Além disso, as di- ficuldades culturais e sociais, como o estigma em relação à deficiência, agravam ainda mais a situação.
A inclusão dessas crianças no sistema educacional exige uma adaptação do currículo e das práticas pedagógicas, assim como a implementação de tecnologias assistivas e a formação contínua dos educadores. A Língua de Sinais Moçambicana (LSM) deve ser considerada um componen- te essencial na comunicação eficaz, sendo imprescindível para garantir que as crianças surdas se sintam integradas e participativas no processo de aprendizagem.
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É necessário que o governo e a sociedade em geral unam esforços para criar políticas públicas mais eficazes, que garantam o acesso a recursos especializados e infra-es- truturas adequadas. A colaboração entre o governo, as escolas e as organizações não-governamentais é essen- cial para promover a inclusão efectiva e combater o es- tigma, garantindo que as crianças com deficiência au- ditiva tenham igualdade de oportunidades no processo educacional. Somente com acções concretas que envol- vam todos os níveis da sociedade será possível superar as barreiras existentes e proporcionar um ambiente de aprendizagem inclusivo e de qualidade para todas as crianças, independentemente da sua condição auditiva.
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