ENSINAR E APRENDER HISTÓRIA

NO SÉCULO XXI – DESAFIOS

E POTENCIALIDADES


Miguel Corrêa Monteiro

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Universidade de Lisboa


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S A B E R & E D U C A R 3 3 ( 1 ) 2 0 2 4 — C A D E R N O T E M Á T I C O : E N S I N A R E A P R E N D E R H I S T Ó R I A N O S É C U L O X X I – D E S A F I O S E P O T E N C I A L I D A D E S

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Resumo:


Será possível estabelecer um novo relacionamento entre as novas pedagogias e objetivos do ensino da História, com as exigências atuais de uma escola em mudança? Como tornar a história uma disciplina que os alunos gostem? Será que a questão se coloca apenas ao nível das metodologias? Como é que o problema é visto ao nível da gestão da disciplina? Não é possível continuarmos impassíveis vendo o “espetáculo” do assalto à “fortaleza” da História, uma vez que esta é essencial aos alunos e às restantes disciplinas dos curricula na compreensão do contexto temporal e do seu próprio lugar nessa realidade.


Palavras-chave:

Ensino da História; Novas pedagogias; Desafios do Século XXI.

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INVESTIGADORES CONVID ADOS

DATA DE SUBMISSÃO: 24/04/2025 DATA DE ACEITAÇÃO: 02/05/2025 DOI: 10.25767/se.v33i1.41438

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Abstract:


Is it possible to establish a new relationship between the new pedagogies and objectives of History teaching, with the current demands of a changing school? How can we make History a subject that students enjoy? Is the issue only a question of methodologies? How is the problem seen at the level of subject management? We cannot continue to stand by and watch the “spectacle” of the assault on the “fortress” of History, since it is essential for students and other subjects in the curriculum to understand the temporal context and their own place in that reality.


Keywords:

Teaching history; New pedagogies; Challenges of the 21st century.

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Ensinar e aprender História no Século XXI, coloca grandes desafios, face à evolução das novas tecnolo- gias, extremamente aliciantes para os jovens e desa- fiantes para os professores. Será possível realizar uma reflexão sobre o ensino atual da História sem se com- preender a questão da própria evolução da ciência his- tórica e das suas problemáticas, e sem fazer a distin- ção entre objetivos e métodos da História como ciência e os da História como disciplina?

As principais influências que estão na base da noção atual sobre o ensino da História ocorreram nos pri- meiros trinta anos do século XX e foram defendidas por aqueles que acreditavam numa nova abordagem à compreensão da História e que através do chamado movimento da Escola dos Annales, iria culminar num outro tipo de conceção base da chamada Nova Histó- ria, e cujos principais representantes foram Geoges Duby, Jacques Le Goff, Philippe Ariès e Le Roy Ladurie. Era a resposta à conceção positivista que aplicava à História leis que serviam igualmente as Ciências Na- turais e que reduziam aquela a um mero conjunto de factos. Encontra-se a origem do positivismo nas pro- fundas alterações económicas e sociais do século XIX, a par do desenvolvimento tecnológico industrial e científico que caracterizou a revolução industrial, e o pensamento historicista alemão. Tudo seria explicá- vel por métodos racionais, pragmáticos e objetivos.

A influência desta corrente filosófica e científica iria alterar a conceção romântica e subjetiva da História e do seu ensino. A recusa de uma historiografia de tipo filosófico e especulativo esteve presente no nascimen- to da historiografia positivista e do pensamento de au- tores como Humboldt, Ranke e Fustel de Coulanges, defensores de um conhecimento histórico absoluta- mente fidedigno em relação aos factos do passado.

A principal preocupação deste movimento foi a luta pela cientificidade da História, a defesa de uma His- tória ciência. Por conseguinte, procurou-se aplicar à História o método científico na linha do que já ti- nha sido avançado por Augusto Comte para o estudo da Sociologia. Os acontecimentos sociais levariam a própria história a elevar-se para além do individual, e a tornar-se uma autêntica ciência universal com a aplicação de leis objetivas e universais.

Modificava-se igualmente o papel desempenhado pelo historiador que iria lidar com documentos escri- tos para estabelecer os factos históricos e estabelecer com eles um discurso coerente de causa efeito bem à maneira das ciências exatas. Pensava-se que os factos históricos fossem de âmbito político, militar entre ou- tros, falariam por si. Outros apertos, nomeadamen-

te os sociais e mentais ou de ordem económica eram subalternizados como realidade que, ao serem consi- deradas externas, anulavam praticamente a sua ca- pacidade de interpretação, considerando-se que uma atitude interpretativa seria sempre falível, pelo que a historiografia positivista apostava sobretudo na heu- rística sendo o documento analisado em termos de tempo, espaço e autenticidade.

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Será possível estabelecer um novo relacionamento entre as novas pedagogias e objetivos do ensino da História, com as exigências atuais de uma escola em mudança? Como tornar a história uma disciplina que os alunos gostem? Será que a questão se coloca apenas ao nível das metodologias? Como é que o problema é visto ao nível da gestão da disciplina? Não é possível continuarmos impassíveis vendo o “espetáculo” do assalto à “fortaleza” da História, uma vez que esta é essencial aos alunos e às restantes disciplinas dos cur- ricula na compreensão do contexto temporal e do seu próprio lugar nessa realidade. É, pois, importantíssi- mo fomentar nos alunos a consciência história base da identidade e da cidadania, e para isso é necessário mais tempo dado ao seu ensino.

Ramiro Marques afirmou que “A escola deve preocu- par-se tanto com a aprendizagem do aprender como com a acumulação de conhecimentos (…). Ensinar o aluno para a autonomia, levando-o a saber fazer uso da documentação, selecionando-a, analisando-a, sin- tetizando-a, é uma tarefa básica que a escola deve pri- vilegiar” (Marques, 1983, p. 223).

É importante que os alunos se familiarizem com a me- todologia do trabalho científico aplicada à História, aprendendo não só a estudar, como também os pro- cessos adequados à pesquisa, ao tratamento de dados, e à análise de documentos. Todo este trabalho de pes- quisa ganha mais valor se efetuado em grupo. Depois de ter sido escolhido o tema e os objetivos, a leitura, o registo, as seleções de textos, de gravuras e de mapas, podem ser realizadas em grupo. Na elaboração do tra- balho, o grupo pode recorrer a estratégias diversifica- das, que vão desde a apresentação de um texto escrito, à produção de cartazes, enriquecendo estes trabalhos com projeção de diapositivos, de transparências, ou, como é atualmente mais comum o data-vídeo. Numa etapa final, o grupo pode apresentar o respetivo traba- lho na aula, seguindo-se um debate.

O trabalho de grupo é um meio muito eficaz para o professor de História conseguir que os alunos pratiquem investigação em torno de temas propostos ou sugeridos pelos alunos, como acontece, por exem- plo, na metodologia do trabalho-projeto. O grupo ser-

ve para os alunos adquirirem espírito solidário, coo- perante e responsável. Se tal não acontecer, é porque o grupo funcionou mal e deixou que um ou mais dos seus elementos tomassem conta dele, ou não realizas- sem todas as tarefas.

O professor de História deve encaminhar os alunos atendendo ao seu nível de conhecimentos sobre inves- tigação, para que as pesquisas sejam efetuadas sem desmotivações provocadas por falta de orientação. Compete-lhe apresentar os temas que vão ser objeto de estudo, fazendo referência à bibliografia que lhe parecer mais importante.

As orientações do professor devem incidir igualmen- te na explicação sobre como utilizar corretamente as bibliografias ou como consultar os ficheiros, e a ela- borar fichas de leitura para que o aluno, sozinho ou integrado num grupo de trabalho, se torne autónomo no trabalho a efetuar. A metodologia de grupo é mui- to útil para promover uma maior colaboração entre os alunos, provocando a responsabilização de todos pe- las opções que se forem tomando, pelo que, durante a apresentação dos resultados devem ser todos respon- sabilizados. Gerando-se um clima pouco favorável à competição, apesar desta ser muitas vezes fomentada pelos professores e pelos pais.

INVESTIGADORES CONVID ADOS

É importante que os alunos sejam motivados a cons- truírem o seu próprio material, ou do grupo, para a dinamização da disciplina, quer sejam cartazes, mapas, transparências ou montagens audiovisuais. Os alunos gostam em geral, de ver os seus trabalhos afixados em lugar apropriado, na própria turma, ou num local da escola que permita a sua partilha. Fe- lizmente, esta é uma atividade que temos testemu- nhado estar a desenvolver-se em muitas escolas, com clara aceitação das famílias, quando são convidadas a visitar as exposições. Estas são igualmente, um meio muito eficaz de valorização das comunidades, face à responsabilidade na luta pela defesa da sua identida- de e herança cultural. As atividades que envolvem os alunos e os fazem aprender, enquanto lhes dão prazer, são muito importantes, tal como as visitas de estudo, as dramatizações de base histórica, os jornais e rádios escolares.

Jorge Borges de Macedo (1970) considera que são três as finalidades gerais da História no Ensino: uma “men- sagem de confiança ativa”, ao estudar os mecanismos da ação humana - «A História (…) fornece ao adoles- cente a consciência das bases (…) da sua comunidade e da evolução realizada. (…) Dá-lhe (…) a consciência da capacidade humana, simultaneamente criadora e adaptativa, facultando-lhe um otimismo pondera-

do…»; o conhecimento da virtualidade do tempo e a descoberta de vocações próprias - «…ao conhecer os factos históricos bem enunciados e apresentados (…) o jovem pode sentir acordar dentro de si (…) a sua curiosidade pelo rumo do saber que são as ciências humanas. No plano de outras vocações ou carreiras, pode ainda ser conduzido a não esquecer que nenhu- ma ciência ou atividade deve isolar-se do Homem que as concebe (…)». No período particular do 3.º ciclo, deve acentuar-se o exercício de um espírito crítico e a procura da racionalidade, sendo que os alunos devem reconhecer a História como uma disciplina de sequên- cia cronológica, ou seja, a importância da perspetiva temporal para “pensar em História”. Ao mesmo tem- po, tendo em conta que não é possível raciocinar “no vazio”, sem recurso a saberes concretos, os conteúdos devem ser intensificados. Porém, não numa perspe- tiva de acumulação, mas sim num quadro relacional, de contextualização, que possibilite um pensamento complexo da evolução social.

A aprendizagem de um pensamento complexo está ligada à consciencialização que nenhuma narrativa- enquanto veículo do pensamento e da significação – é linear, uma vez que os factos históricos não existem isolados. - «A advertência de que o pormenor ou o caso limitado só têm valor interpretativo quando ligados ao contexto que, em princípio, os explica, é, nesse senti- do, dos mais importantes a fazer ao jovem “aprendiz de historiador”» (Macedo, 1970).

Deste modo, o estudo que deverá ser fomentado no aluno é, acima de tudo, crítico. Esta postura passa por um trabalho de interpretação racional apoiado em métodos e hábitos de rigor, ou seja, o ensino deve aproximar-se do ofício do historiador. Isto é tanto mais significativo quanto tivermos em consideração o que defendia Fernand Braudel: a História “só pode ser compreendida através da sua prática”.

O desenvolvimento destas competências que a Histó- ria possibilita, não será útil apenas aos futuros estu- dantes universitários de História, mas sim a todos os futuros cidadãos. A História encontra-se intimamen- te associada à Educação para a Cidadania, exatamen- te porque permite, ao estudar o Homem em situação concreta, desenvolver capacidades de questionamen- to, de contextualização e de racionalização, exercendo um juízo crítico no contacto com os vestígios do pas- sado. Estas são capacidades que se esperam no exer- cício de uma cidadania consciente: o conhecimento histórico, pelo seu interesse intrínseco, concorre com finalidades pedagógicas “úteis”, como são as de carác- ter social e político.

Ao longo da nossa já longa carreira temos procurado salientar a importância do património, nomeadamen- te local e regional e o papel da Escola, e do Museu na formação para a cidadania. Devemos reconhecer em cada um dos nossos alunos, a sua importância como seres sociais e comunitários, historicamente situados e marcados por memórias que, dão expressão a uma herança cultural, que é herdeira de legados de gera- ções anteriores. São esses bens patrimoniais um fator importante para a formação da consciência histórica dos alunos, porque eles “falam” de outros tempos fei- tos de outros acontecimentos/circunstâncias de vida e de outros espaços entretanto transformados pela voragem de uma evolução histórica associada a uma permanente busca da satisfação de novas necessida- des suscitadas por um incessante aflorar de novas ex- pectativas. Necessidades e expectativas entrelaçadas numa cadeia de relações que, geração após geração, se foram e vão constituindo numa fonte acalentadora de elos identitários, inspiradores e motivadores de di- nâmicas de pensamento e de ação, mediante as quais se procuram novas formas de realização individual e coletiva. As quais só são possíveis de alcançar através da vivência de um espírito de cidadania traduzido no desenvolvimento e assunção de uma atitude livre, crí- tica, criativa, solidária e responsável colocada ao ser- viço do bem-comum da comunidade.

O surgimento da História enquanto ciência remonta ao século XIX. Desde então, não foi nunca consensual a definição do seu estatuto científico, divergindo os autores em relação a objetivos e metodologias. O es- forço de afirmação da cientificidade da História obteve importantes contributos ao longo do século XX, sobre- tudo com os autores ligados à Escola dos Annales. No entanto, mantém-se um esforço necessário, em parti- cular se tivermos em conta que o atual panorama (pelo menos no meu país), tende a privilegiar a área das Ciências Naturais em detrimento da área das Ciências Sociais, na qual se insere a História.

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Hans-George Gadamer justifica o estatuto das Ciên- cias Sociais: «As ciências humanas contribuem para a compreensão que o Homem tem de si mesmo, se bem que estejam longe de igualar, em exatidão e ob- jetividade, as ciências da natureza e, se para isso con- tribuem, é porque, em compensação, elas têm nessa compreensão o seu fundamento» (Gadamer, 1998, pp. 17-28). Porém, a tomada do Homem como objeto de es- tudo não chega para definir a História. Qualquer his- toriador/professor/estudante de História deveria ter sempre presente a definição de Marc Bloch: a História é a “ciência dos homens no tempo” (Bloch, 1998).

Além do carácter humano, a História é principalmen- te definida pela perspetiva diacrónica. As outras ciên- cias sociais são, por natureza, intemporais. Já a Histó- ria tem no estudo do Homem situado no tempo a sua especificidade, sendo que o tempo é fator de mudança e de permanência. Deste modo, caberá ao professor de História desconstruir a ideia de que a sua disciplina estuda o passado, limitando-se a uma função de me- mória. Não deixando de o ser, não o é na sua essên- cia. A História é estudo do presente e das suas relações com o passado, segundo Benedetto Croce (1938), a par- tir do momento em que os acontecimentos históricos podem ser repensados constantemente, deixam de estar “no tempo”, por isso a História é “conhecimento do eterno presente”.

Lucien Fébvre (1973) viu na relação entre passado e pre- sente a função social da História. A relação do Passa- do com o Presente implica uma atitude de reflexão e questionamento. Fomentar nos alunos a consciência dessa relação é levá-los a compreender que a História é dinâmica, pois funda-se na diacronia. Esta relação torna possível a compreensão de que a disciplina é uma construção, e não um mero relato daquilo que aconteceu. Sendo uma construção, é interpretativa – o conhecimento histórico, sendo inseparável da pessoa do historiador, é relativo. O reconhecimento da in- terpretação anula a aceitação dos saberes como dados adquiridos, e possibilita o questionamento e a cons- ciência da incerteza.

A questão da interpretação/ pode levar-nos a refletir em dois aspetos: a multiplicidade de interpretações e, a ela inerentes, os critérios em que assentam, isto é, o rigor intelectual. Estas problemáticas serão um tanto mais compreendidas quanto o professor fizer passar para os alunos a força que os relatos históricos podem alcançar - «Não deveríamos (…) tentar entender (…) como se conjuga as narrativas e os relatos históricos e o que existe nele que leva as pessoas ou a viverem ou a estropiar-se e a matar-se umas às outras?» (Bruner, 1996, pp.121-135). Os contributos específicos da Histó- ria para a formação dos futuros cidadãos, que se es- peram conscientes, informados e ativos na sociedade, permitem justificar o lugar da disciplina no currículo do Ensino Básico.

O desenvolvimento destas competências que a Histó- ria possibilita, não será útil apenas aos futuros estu- dantes universitários de História, mas sim a todos os futuros cidadãos. A História encontra-se intimamen- te associada à Educação para a Cidadania, exatamen- te porque permite, ao estudar o Homem em situação concreta, desenvolver capacidades de questionamen- to, de contextualização e de racionalização, exercendo um juízo crítico no contacto com os vestígios do pas- sado. Estas são capacidades que se esperam no exer- cício de uma cidadania consciente: o conhecimento histórico, pelo seu interesse intrínseco, concorre com finalidades pedagógicas “úteis”, como são as de carác- ter social e político.

Uma enunciação dos conceitos de Educação e de His- tória, formulada nos termos de uma relação entre eles, constitui o reconhecimento de que a Educação, enquanto atividade formativa a realizar pela escola e na escola, não pode nem deve ignorar a dimensão temporal do homem veiculada pelo ensino da Histó- ria. Porque é na dimensão temporal do homem que reside aquele húmus cultural onde se tecem e entre- laçam os pensamentos, os sonhos, as ações, os valo- res e os testemunhos que ligam as gerações através de um processo de identificação capaz de fazer renascer o passado prolongando-o no presente e projetando-o no futuro sob a forma de novos pensamentos, novos sonhos, novas ações, novos valores e novos testemu- nhos, no contexto dos quais a Educação adquire ou- tros conteúdos, outros significados e outros sentidos que aos educadores compete analisar, interpretar e ajustar à realidade de cada tempo e lugar.

Sendo a cidadania a expressão de uma maneira de ser, de estar e de atuar na vida em sociedade, sendo ainda, essa maneira de ser, de estar e de atuar, própria da ci- dadania, caracterizada por um sentido de liberdade,

de solidariedade e de responsabilidade, surge a ques- tão do ato de pensar a Educação na perspetiva de uma formação para a cidadania.

Maria Cândida Proença na sua Didática da História, aler- ta para a necessidade de os professores estarem aten- tos e refletirem sobre as conceções educativas subja- centes aos projetos pedagógicos em que se envolvem, porque «toda a ação educativa se fundamenta num determinado conceito de educação que preconiza, em última instância, uma determinada conceção do ho- mem e da sociedade» (1989, p. 60).

Neste sentido, para nós, colocados na perspetiva de uma função docente contextualizada por um Projeto Educativo da Escola onde exercemos a nossa atividade educativa, o conceito de Educação que melhor expri- me o nosso entendimento do que é e deve ser a Edu- cação pode ser traduzida nestes termos: a Educação é, por natureza, um ato cultural mediado por dinâmicas relacionais e comunicacionais suscitadoras de apren- dizagens humanizadoras e dignificadoras radicadas nos valores próprios da cidadania.

Rui Canário, no livro O que é a Escola? Um “olhar” socioló- gico, salienta a questão das ciências da educação, no contexto das ciências sociais, para concluir que as multiplicidades de áreas do saber, no domínio da so- ciologia, foram ditadas pela crescente complexidade da realidade social e o imperativo cívico de aprofun- dar aspetos específicos dessa mesma realidade social (2005, pp. 21-29).

INVESTIGADORES CONVID ADOS

O conceito de cidadania é, por natureza, um concei- to que radica na condição do homem enquanto ser social. E como tal ele é, também, por natureza, um conceito aglutinador da ação social do homem. Nes- ta perspetiva a escola, enquanto parte da organização da vida em sociedade, é chamada a desempenhar um papel social específico que, em última instância, visa a realização de um trabalho educativo orientado para o desenvolvimento de um espírito de cidadania, cuja realização e cabal cumprimento passa por uma com- preensão adequada e ajustada à realidade do tempo e do sentido que lhe dão a forma e o conteúdo capazes de responder aos fins da sociedade.

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Para a consecução desse objetivo foi adotada uma di- nâmica de trabalho pedagógico-didática, de carácter teórico-prático-reflexivo, concebida e realizada sob a forma de um Trabalho de Projeto, desenvolvida com alunos do 3º ciclo, e cuja planificação obedeceu a uma intenção educativa baseada no reconhecimento das potencialidades do ensino da História, enquanto área do saber especialmente vocacionada para o fomento de uma educação para a cidadania.

Deste modo, face ao objetivo central assumido e à in- tenção educativa declarada, elegemos três espaços de convocação do património (Escola, Museu, Cidade) e três vetores de ação educativa (História, Património, Didática) que, pela sua interdependência, permitis- sem transformar o ensino da História, mediado por uma didática do património, numa realidade viva e atuante, junto dos alunos, de maneira a propiciar-

-lhes uma experiência de ensino-aprendizagem capaz de enriquecer e reforçar a sua identidade cultural, a nível local, como condição primeira e decisiva para alcançar um verdadeiro espírito de cidadania. “Ao centrarmos as atividades letivas nos alunos, não sig- nifica que, como professores passemos a ter um papel menos importante. O trabalho em História é baseado na investigação, pelo que deve ser o professor a criar as condições necessárias para iniciar essas atividades, mesmo que sejam elementares. É importante que os alunos se familiarizem com a metodologia do traba- lho científico aplicada à História, aprendendo não só a estudar, como também os processos adequados à pesquisa, ao tratamento de dados, e à análise de docu- mentos. O professor de História deve encaminhar os alunos atendendo ao seu nível de conhecimentos so- bre investigação, para que as pesquisas sejam efetua- das sem desmotivações provocadas por falta de orien- tação. Compete-lhe apresentar os temas que vão ser objeto de estudo, fazendo referência à bibliografia que lhe parece ser mais importante. As orientações do pro- fessor devem incidir igualmente na explicação sobre como utilizar corretamente as bibliografias ou como consultar os ficheiros, e a elaborar fichas de leitura para que o aluno, sozinho ou integrado num grupo de trabalho, se torne autónomo no trabalho a efetuar.” (Monteiro, 2017, p. 241).

Quando nos colocamos na perspetiva de uma cons- trução do conhecimento e nos confrontamos com os mecanismos percetivo-cognitivos que a ela presidem, somos, naturalmente, levados a encarar os conceitos operatórios da análise (decomposição do todo nas suas partes) e da síntese (recomposição das partes no seu todo) como conceitos instrumentais ordenadores do

pensamento racional, a partir do qual se criam e re- criam as ideias, enquanto expressão de um exercício mental destinado a tornar possível uma apreensão interiorizada da realidade na multiplicidade das suas dimensões em que a «parte» e o «todo» surgem como porções de uma realidade que, na sua aparência, ten- de a ocultar, sob forma de contraposição, o que na sua substância se interliga e une. Ora, é, precisamente, face à aparência de que se reveste a realidade que o homem, na sua dimensão racional, marcada pelo amor e exigência de uma busca da verdade, tende a envolver-se num processo dinâmico de conhecimento/ compreensão, dito científico, cuja principal caracte- rística consiste numa orientação do pensamento e da ação no sentido de uma descoberta da substância das coisas. Porque é na substância das coisas que reside um alcance da verdade onde as oposições se esbatem e a unidade se impõe.

As linhas de força organizadoras do Trabalho de Pro- jeto foram definidas e estabelecidas na base de uma relação triangular constituída, nos vértices, por três espaços (Escola-Museu-Cidade) e, nos lados, por três vetores de ação educativa (História-Património-Didá- tica), enquanto componentes integradores de uma realidade nuclear perspetivada no sentido de uma for- mação para a cidadania. Sendo, ainda, observável que as referidas linhas de força, organizadoras do Trabalho de Projeto, se apresentam inseridas em Introdução pla- nos circulares concêntricos sugestivos de uma inter- penetração de três importantes e decisivos conceitos (Educação-Pedagogia-Modelos Pedagógicos), enquanto conceitos indicativos de outras tantas vertentes teóri- co-reflexivas indispensáveis a uma necessária ponde- ração das opções didáticas que devem enformar as prá- ticas de ensino-aprendizagem que se pretendem ade- quadas, qualificadas e eficazes no sentido de alcançar os objetivos formativos que as justificam.

O Trabalho de Projeto orientado no sentido de uma educação pelo património, estritamente ligado à his- tória local, importa salientar o facto de que toda a dinâmica pedagógico-didática, desenvolvida com os alunos, assumiu uma dupla vertente. Uma primeira vertente teórico-reflexiva, no contexto da qual se de- senvolveu um pensamento que procurou explicitar uma interpenetração dos conceitos de Educação e de História. Um método que, pela natureza evolutiva da realidade histórica, requer a interiorização de concei- tos operatórios suscetíveis de permitir uma aborda- gem dinâmica e relativista das problemáticas equa- cionadas e estudadas de modo a suscitar, não só novos horizontes de compreensão do passado e do presente, mas também novas atitudes favoráveis ao desenvolvi- mento de um espírito autónomo valorativo e interven- tivo no sentido de uma formação para a cidadania.

INVESTIGADORES CONVID ADOS

Podemos, pois, afirmar que dentro desta perspetiva a didática do património se constituiu num importante fator de aprendizagem capaz de ajudar a transformar, de forma talvez indelével, a atitude dos alunos face à História que, assim, se tornou objeto de uma redesco- berta geradora de novos olhares, de novas perceções e de novas conceções marcados por um sentido mo- bilizador de um espírito criativo, crítico e consciente aberto a um entendimento dos dinamismos que te- cem a vida das sociedades em cada tempo e lugar.

Aludir aos espaços de convocação do património, e muito particularmente a alguns espaços da comuni- dade local, tais como a Escola, o Museu e a Cidade, significa reconhecer que o homem, na pessoa dos nossos alunos, é um ser social e comunitário histori- camente situado e socioculturalmente marcado por memórias que, pela sua força evocativa e, sobretudo, convocativa, dão forma, conteúdo e sentido a uma he- rança cultural, em larga medida, testemunhada pela existência de bens patrimoniais legados pelas gera- ções de outrora. São esses bens patrimoniais um fator importante para a formação da consciência histórica dos alunos, porque eles “falam” de outros tempos fei- tos de outros acontecimentos/circunstâncias de vida e de outros espaços entretanto transformados pela voragem de uma evolução histórica associada a uma permanente busca da satisfação de novas necessida- des suscitadas por um incessante aflorar de novas ex- pectativas. Necessidades e expectativas entrelaçadas numa cadeia de relações que, geração após geração, se foram e vão constituindo numa fonte acalentadora de elos identitários, inspiradores e motivadores de di- nâmicas de pensamento e de ação, mediante as quais se procuram novas formas de realização individual e coletiva. As quais só são possíveis de alcançar através da vivência de um espírito de cidadania traduzido no de- senvolvimento e assunção de uma atitude livre, crítica, criativa, solidária e responsável colocada ao serviço do bem-comum da comunidade (Monteiro, 2021, p.586). Enquanto recurso educativo e meio didático, a reali- dade do museu não se pode desligar da sua qualidade de espaço de comunicação/interlocução ao serviço do desenvolvimento cultural da comunidade em que se insere, pela simples e fundamental razão de que não se podem nem devem dissociar os objetos, que inte- gram o acervo do museu, das condições espaciais re- lacionadas, não só com a apresentação/exposição des- ses objetos, mas também com as dinâmicas de visita, pesquisa e estudo desenvolvidas em torno deles, nos quais o acesso às novas tecnologias é fundamental.

Não existem recursos mágicos que permitam a substi- tuição do professor e da sua capacidade para motivar os alunos. Pensamos que é fundamental que o pro- fessor tenha vocação para ensinar, porque se tal não acontecer dificilmente haverá sucesso nas muitas es- tratégias e recursos que o professor escolher. Contudo, temos defendido em várias ocasiões, que o professor não é um dinamizador cultural, um entretainer, capaz de manter os alunos bem-comportados. O jeito não se aprende nos livros e, muitas vezes, encontramos pro- fessores com médias de curso mais modestas, e que são excelentes a dar aulas.

Referências Bibliográficas


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