S A B E R & E D U C A R 3 4 ( 1 ) 2 0 2 5 — C A D E R N O T E M Á T I C O : O L U G A R D A ( S ) I N T E L I G Ê N C I A ( S ) – E N T R E O R E L A C I O N A L E O A R T I F I C I A L
A ESCRITA COMO PROCESSO MEDIADO
E O PAPEL DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL GENERATIVA NO APOIO À PRODUÇÃO
DE TEXTOS
Maria Cristina Vieira da Silva
Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti – CIPAF; Universidade do Minho - CIEC; Universidade Nova de Lisboa - CLUN
Carla Cristina Fernandes Monteiro
Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Viana do Castelo;
1
Universidade do Minho - CIEC
![]()
![]()
A generalização do acesso à Inteligência Artificial Generativa (IAGen) tem vindo, no Ensino Superior em particular, a desafiar os agentes educativos. Segundo uma recente revisão sistemática da literatura tendo por público-alvo docentes e discentes do Ensino Superior, estes últimos parecem aderir à utilização de ferramentas de IAGen com maior recetividade, reconhecendo quer as oportunidades quer os desafios associados, ao passo que os professores parecem mais céticos, temendo sobretudo que uma utilização inadequada destas tecnologias ponha em causa dimensões como a ética, a integridade da avaliação ou a privacidade e segurança (Ribeiras, Dorotea, & Esteves, 2025). No âmbito do Ensino Superior, a utilização de Large Language Models (LLM) pode ter um particular impacto sobre a produção escrita, área que continua a ser fundamental no desempenho académico dos estudantes, por constituir uma competência transversal a praticamente todas as restantes aprendizagens. É nosso objetivo, neste trabalho, explicitar a forma como, no contexto da unidade curricular (UC) Escrita: Processos e Produtos, integrada no plano curricular de um mestrado na área de formação de professores do 1.º e 2.º Ciclo do Ensino Básico (CEB), foi possível integrar as ferramentas de IAGen visando a melhoria da produção escrita dos alunos, futuros professores, ao disponibilizar ferramentas e estratégias que permitem personalizar e enriquecer o processo de aprendizagem desta competência. A interação personalizada facilitada por este tipo de ferramentas, adaptando-se às necessidades específicas de cada aluno, potencia ainda a implementação de atividades colaborativas, como a escrita entre pares, mediada pelo professor. No processo de escrita, a IAGen pode ser utilizada em diferentes momentos, ainda que a literatura aponte para a vantagem de limitar o uso destas ferramentas à fase da revisão. Nomeadamente ao implicar a redação de prompts para criar textos-modelo, a IAGen pode auxiliar os alunos na organização e estruturação de ideias, além de oferecer feedback e feedforward imediato e individualizado, contribuindo para o desenvolvimento de competências como a reestruturação de ideias e substituição lexical, fundamentais para uma escrita crítica e reflexiva. A comparação entre textos produzidos pelos alunos e pela IAGen também fomenta o pensamento crítico e a autorregulação, permitindo que os estudantes identifiquem lacunas e as dimensões a melhorar nas suas produções escritas. Com a devida supervisão didática e à luz da valorização da escrita enquanto processo (Flower & Hayes, 1981), a IAGen pode, efetivamente, constituir uma poderosa ferramenta para desenvolver habilidades de escrita, de pensamento crítico e criatividade, integrando-se no contexto académico de forma ética e eficaz.
![]()
DATA DE SUBMISSÃO: 01/08/2025
2
DATA DE ACEITAÇÃO: 04/11/2025
![]()
S A B E R & E D U C A R 3 4 ( 1 ) 2 0 2 5 — C A D E R N O T E M Á T I C O : O L U G A R D A ( S ) I N T E L I G Ê N C I A ( S ) – E N T R E O R E L A C I O N A L E O A R T I F I C I A L
The widespread accessibility of Generative Artificial Intelligence (GenAI) presents significant challenges to teachers, particularly within the context of Higher Education. According to a recent systematic literature review focused on higher education teachers and students, the latter group appears more receptive to these technologies, acknowledging both the opportunities and challenges they entail. In contrast, teachers tend to exhibit greater skepticism, primarily due to concerns about potential risks to ethical standards, assessment integrity, and issues related to privacy and security (Ribeiras, Dorotea, & Esteves, 2025). In Higher Education, the use of Large Language Models (LLMs) may exert a notable influence on students’ written production, a domain that remains essential for academic performance due to its transversal nature across most learning outcomes. This study aims to present how, within the course unit Writing: Processes and Products, part of a Master’s degree program for future teachers of the 1st and 2nd cycles of Primary Education, GenAI tools were integrated to enhance students’ writing proficiency. These tools provide personalized support and enrich the learning process by enabling tailored pedagogical strategies. The adaptive, individualized interaction fostered by such technologies also facilitates the implementation of collaborative activities, such as peer writing, under the guidance of the instructor. While GenAI can support multiple stages of the writing process, current literature suggests that its most effective use lies in the editing phase. Specifically, the act of crafting prompts to generate model texts can help students organize and structure their ideas more effectively, while also providing immediate and individualized feedback and feedforward. This contributes to the development of essential skills such as idea restructuring and lexical refinement, which are critical for producing reflective and critical writing. Furthermore, comparing student- generated texts with those produced by GenAI encourages critical thinking and self-regulation, enabling students to identify gaps and areas for improvement in their writing. With appropriate pedagogical supervision and grounded in a process-oriented approach to writing (Flower & Hayes, 1981), GenAI can indeed serve as a powerful tool to foster writing competence, critical thinking, and creativity, while being ethically and effectively integrated into academic contexts.
Intelligence, Process Writing, Higher Education
![]()
![]()
Introdução
No presente texto, propomo-nos apresentar a forma como foi concebida e organizada uma UC em torno da capacitação para a escrita dos estudantes de um cur- so de formação de professores e refletir sobre a forma como o advento da Inteligência Artificial Generativa (doravante IAGen) pode ter um particular impacto na produção escrita dos estudantes do Ensino Superior, nomeadamente dos que, frequentando cursos de habi- litação para a docência, se preparam para serem, tam- bém eles, professores que ensinam a escrever.
Começamos por analisar a importância da proficiência da linguagem escrita, enquanto competência funda- mental para o pensamento crítico e o desempenho aca- démico dos estudantes, por se tratar de uma competên- cia transversal a praticamente todas as aprendizagens. Procuramos, de seguida, dar conta da forma como a UC Escrita: Processos e Produtos, integrada no plano curricular de um mestrado na área de formação de professores do
1.º e 2.º CEB, foi concebida e tem vindo a ser implemen- tada nos últimos oito anos. Num momento posterior, refletimos sobre a forma como o acesso generalizado a ferramentas de Inteligência Artificial, nos últimos dois anos, tornou o seu uso incontornável. Abordamos ainda as possibilidades da sua integração com vista à melhoria da produção escrita dos alunos, futuros pro- fessores, promovendo não só o uso ético e crítico dessas ferramentas, mas também a consciencialização do seu potencial pedagógico, enquanto instrumentos que per- mitem uma maior personalização e enriquecimento do processo de aprendizagem e apropriação da escrita.
![]()
A proficiência da linguagem escrita ao serviço de uma cidadania plena
S A B E R & E D U C A R 3 4 ( 1 ) 2 0 2 5 — C A D E R N O T E M Á T I C O : O L U G A R D A ( S ) I N T E L I G Ê N C I A ( S ) – E N T R E O R E L A C I O N A L E O A R T I F I C I A L
A importância da linguagem escrita, subentendendo- se aqui a leitura e a escrita, na construção de uma cidadania plena, é, nas sociedades contemporâneas, reconhecidamente inquestionável. Numa era marcada pelo excesso de informação, muitas vezes enviesada ou manipulada, a capacidade de a processar e de refletir criticamente é fundamental. Só assim os cidadãos se poderão tornar participantes ativos e conscientes na sociedade, capazes de identificar intencionalidades implícitas, desconstruir discursos subliminares e expressar-se de forma clara e eficaz. Seja para identificar a veracidade de uma notícia, detetar phishing, analisar uma fatura ou apresentar uma reclamação para argumentar o direito a ser ressarcido de um dano, todas estas situações exigem competências de leitura e de escrita que necessitam de ser aprendidas e, por conseguinte, ensinadas.
Se esta importância da proficiência linguística em termos de leitura e escrita é determinante na formação de qualquer cidadão, independentemente da função profissional que este vier a desempenhar, ela assume particular relevo quando falamos da formação de professores. Nestes casos, a responsabilidade é exponenciada, como não poderia deixar de ser, uma vez que que estes futuros profissionais, aos quais se exige uma responsabilidade formativa, deverão constituir um modelo em termos de proficiência linguística. Nesse sentido, a formação no domínio da linguagem escrita visa capacitar os estudantes para que se tornem, por sua vez, agentes de transformação. Espera-se, portanto, que sejam capazes de orientar os seus futuros alunos a posicionarem-se, de forma ética e crítica, num mundo cada vez mais complexo, o que exige, efetivamente, competências de multiliteracia. Abordar o ensino da linguagem escrita (e da escrita em particular) implica reconhecer a existência de conceções distintas sobre a forma como a própria escrita tem vindo a ser entendida. Nas palavras de Niza, Segura e Mota (2011, p.9),
Até à década de setenta, considerava-se a escrita como uma competência estilístico-literária que assegurava a qualidade dos textos escritos, supondo-se que os alunos escreviam por intuição ou dom ou por uma espécie de transferência automática da leitura e do estudo formal da gramática. […] Escrever consistia, nesta perspetiva, em produzir um conjunto de frases simples, ortograficamente corretas.
Com os contributos das abordagens construtivistas e sociocognitivas, passou a reconhecer-se que a escrita é um processo longo e exigente, que envolve a transformação do discurso interior em discurso comunicável, contextualizando, de forma explícita, aquilo que se pretende transmitir (Niza, 2005). Esta mudança de paradigma foi acompanhada por uma reconceptualização da escrita enquanto prática social, situada e mediada por contextos culturais, académicos e institucionais (Carlino, 2005; Street, 2003).
Entendida nesta perspetiva construtivista, a competência de escrita ganha contornos e dimensões que, tendo por base a agência e a experiência do aluno, resultam, não poucas vezes, em níveis de proficiência bastante variáveis entre estudantes, aquando do ingresso no Ensino Superior. É justamente por reconhecermos a complexidade do processo de apropriação da linguagem escrita e a especificidade exigida pelos distintos tipos e géneros textuais que assumimos, na elaboração dos planos de estudo, a criação de uma unidade curricular (UC)1 especificamente pensada para trabalhar esta dimensão processual e prática em torno da competência escrita.
![]()
A UC Escrita: Processos e Produtos (EPP)

S A B E R & E D U C A R 3 4 ( 1 ) 2 0 2 5 — C A D E R N O T E M Á T I C O : O L U G A R D A ( S ) I N T E L I G Ê N C I A ( S ) – E N T R E O R E L A C I O N A L E O A R T I F I C I A L
A UC Escrita: Processos e Produtos (doravante EPP) está integrada no ciclo de estudos conducente ao grau de mestre em Ensino do 1.º CEB e de Português e História e Geografia de Portugal no 2.º CEB da Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti. Sendo esta UC obrigatória, no 3.º semestre, correspondente ao 2.º ano e último do curso, o número de estudantes que frequenta esta UC é variável, em função do número de candidatos do referido curso, situando-se abaixo dos dez estudantes por cada edição, o que permite um acompanhamento mais personalizado dos mesmos. O referido curso está organizado em torno de quatro semestres curriculares, sendo que, em todos eles, os estudantes usufruem de uma UC de Prática de Ensino Supervisionada, em Ensino do 1.º CEB ou em Ensino de Português e História e Geografia de Portugal no 2.º CEB, a par de unidades curriculares da componente de formaçãonaáreadadocência(componentedeformação na qual esta UC se integra), da área educacional geral, bem como da área da didática específica. A coexistência, no mesmo semestre, de contextos de prática de ensino supervisionada proporciona a estes estudantes a possibilidade de recolher dados e testar, em contexto pré-profissional, recursos por si criados, tendo em vista os objetivos definidos na UC. Na Figura 1, apresentamos a distribuição das horas da UC EPP.
Como se pode observar, a carga horária de contacto distribui-se equitativamente por quatro tipologias de aula, promovendo-se, nas aulas teóricas, a criação do quadro concetual orientador da elaboração de atividades e recursos para a promoção da escrita. Por
![]()
1 – Para além desta UC Escrita: Processos e Produtos, a ESEPF optou por integrar ainda, no plano de estudos do mestrado em Educação Pré-escolar e em 1.º Ciclo do Ensino Básico, uma UC designada Escrita: Conceitos e Práticas, com os mesmos objetivos e intencionalidade subjacentes, diferindo apenas no número de créditos (e consequentemente, no número de horas e sua distribuição). No presente texto, ainda que façamos apenas referência à UC Escrita: Processos e Produtos, as considera- ções apresentadas são igualmente aplicáveis à UC Escrita: Conceitos e Práticas.
seu turno, nas horas teórico-práticas, os estudantes terão oportunidade de participar na discussão das sistematizações e tarefas propostas ao longo das sessões e receber o feedback do professor. Nas aulas de prática laboratorial, está previsto que os estudantes, elaborem, durante a aula, tarefas, para as quais recebem, em sessões de orientação tutorial, o apoio e retorno individualizado do professor.
Os objetivos de aprendizagem a desenvolver pelos estudantes passam por:
Refletir sobre os conceitos implicados na escrita, valorizando o papel da produção textual escrita na construção de uma literacia crítica;
Reconhecer especificidades da produção de textos de distintos tipos e géneros em função das suas características;
Analisar criticamente dispositivos de promoção de literacia de escrita em contexto escolar;
Elaborar propostas de dispositivos de promoção de literacia de escrita para contextos de intervenção pedagógica diferenciados.
Estes objetivos de aprendizagem são consentâneos com as metodologias de ensino previstas, no sentido em que o debate, a análise de textos e o trabalho colaborativo potenciam a reflexão crítica sobre os conceitos relevantes ao nível do conhecimento; a capacitação para compreender e produzir textos em diferentes géneros, empreendendo uma leitura crítica ao nível das competências e a elaboração de propostas integradas de promoção da literacia da leitura e da escrita, no domínio das aptidões. Ao envolver os estudantes em atividades como projetos de grupo, debates ou tarefas de resolução de problemas, promove- se não apenas o desenvolvimento de competências comunicativas, mas também a negociação de sentidos, a gestão colaborativa de tarefas e a tomada de decisões em conjunto (Rai, 2023).
Por conseguinte, enfatiza-se, nesta UC, a produção individual e coletiva de textos escritos, sendo valorizada, em contexto de avaliação contínua, a reflexão colaborativa sobre as distintas dimensões da produção escrita. O trabalho a desenvolver pelos estudantes terá como referência os objetivos de aprendizagem alcançados e verificados através das seguintes formas de avaliação e ponderação: um trabalho individual, que consiste num portefólio de escrita, no qual são compilados os produtos textuais
resultantes das atividades propostas para produção inicial em sala de aula, e posterior melhoria em tempo de trabalho autónomo, e um trabalho de grupo, que configura a construção de uma sequência didática destinada a alunos do 1.º ou 2.º CEB.
S A B E R & E D U C A R 3 4 ( 1 ) 2 0 2 5 — C A D E R N O T E M Á T I C O : O L U G A R D A ( S ) I N T E L I G Ê N C I A ( S ) – E N T R E O R E L A C I O N A L E O A R T I F I C I A L
De forma a potenciar o trabalho dos estudantes, esta UC desenvolve-se, ao longo das dezasseis semanas letivas previstas no semestre, com uma carga horária semanal de três horas, concentrada num único bloco de aulas. No que diz respeito ao trabalho individual, materializado na entrega do portefólio, a distribuição da carga horária permite que os estudantes possam, semanalmente e ao longo de dez semanas, fazer uma primeira aproximação a cada um dos temas ou géneros abordados. Após a análise e discussão de exemplos de aplicação, são desafiados, num terceiro momento e ainda em contexto de sala de aula (na tipologia prática laboratorial), a desenvolver e submeter, na parte final da aula, uma primeira versão da proposta de escrita, em resposta aos desafios pensados para integrar o portefólio ao longo das primeiras dez semanas letivas. De entre as nove propostas de escrita sugeridas, os estudantes submetem um mínimo de sete à sua escolha, sendo obrigatório o trabalho relativo à escrita académica. Apresentamos de seguida as nove propostas que compõem o portefólio:
Elaboração de um texto de cariz argumentativo
A elaboração deste texto parte do lançamento de uma proposta na qual é solicitado aos estudantes que tomem posição sobre um tema, apresentando argumentos e exemplos que sustentem o seu ponto de vista, num texto com o limite de 400 palavras. Esta produção inicial2 é realizada sem consulta de fontes externas ou recurso a ferramentas de IAGen. A escrita decorre em aula e o produto é submetido na plataforma Moodle, sendo o mesmo revisto pelo estudante, em tempo de trabalho autónomo, com o apoio de ferramentas de IAGen, e submetida uma nova versão aperfeiçoada. Depois de analisados os textos dos estudantes, são- lhes devolvidos na aula seguinte, acompanhados do respetivo feedback e feedforward. Na mesma aula, são trabalhados aspetos estruturais e linguísticos do texto argumentativo, proporcionando aos estudantes oportunidade para a reescrita e posterior entrega da versão final, sujeita a avaliação.
![]()
2 – Em todos os desafios de escrita de texto propostos, é seguido um procedimento comum: a versão inicial, elaborada em tempo letivo e em contexto de prática la- boratorial, é considerada o texto que serve de base para o processo de revisão e reescrita. A submissão dos textos é feita na plataforma Moodle até ao final da aula. No tempo de trabalho autónomo, os estudantes são desafiados a recorrer a ferramentas de IA para melhorarem a sua produção escrita, cuja versão revista submetem para avaliação, sendo essa versão revista objeto de feedback formativo e feedforward pela parte do professor, permitindo aos estudantes refletir sobre o seu desempenho e, eventualmente, caso haja necessidade, reescrever o texto com base nas orientações recebidas. Este processo é acompanhado, para além do recurso a ferramentas de IAGen, pelo uso de listas de verificação e de reflexões que potenciam a autorregulação das aprendizagens, com vista à progressiva autonomização dos estudantes no domínio dos diferentes géneros textuais.
Diagnóstico de desvios ortográficos a partir de uma produção escrita
S A B E R & E D U C A R 3 4 ( 1 ) 2 0 2 5 — C A D E R N O T E M Á T I C O : O L U G A R D A ( S ) I N T E L I G Ê N C I A ( S ) – E N T R E O R E L A C I O N A L E O A R T I F I C I A L
Este desafio baseia-se na recolha prévia de uma produção textual real de alunos do 1.º ou 2.º CEB, realizada em contexto da Prática Pedagógica Supervisionada dos estudantes de mestrado. A aula tem início com a explicação da tipologia de desvios à norma escrita de Cardoso, Costa e Pereira (2002), procedendo, de seguida, à análise de um excerto real. Posteriormente, os estudantes aplicam este referencial à produção que recolheram, identificando e categorizando os desvios identificados em função das categorias de desvios ortográficos, fonéticos, morfológicos, morfossintáticos, sintáticos, sintático- semânticos e semânticos. O feedback deste desafio é dado diretamente na plataforma Moodle.
Elaboração de um resumo científico
Esta produção visa desenvolver competências de leitura crítica e de síntese, fundamentais no contexto académico, bem como promover o domínio das convenções formais da escrita científica. Para orientar o processo de escrita, é introduzida a estrutura IMRaD – Introduction, Methods, Results and Discussion – (Introdução, Métodos, Resultados e Discussão) (Sollaci & Pereira, 2004), modelo amplamente utilizado na estruturação de artigos científicos e, por extensão, nos respetivos resumos. A partir da leitura e análise de um resumo incompleto, os estudantes são convidados a identificar e a sintetizar os conteúdos de cada uma destas secções, com vista à produção de um resumo claro, conciso e coerente, que respeite a ordem lógica do texto-fonte.
Elaboração de um texto enciclopédico
Fazendo a ponte com o trabalho a desenvolver na sequência didática que será descrita mais adiante (trabalho de grupo), este desafio segue os pressupostos metodológicos de Barbeiro e Pereira (2008), no que diz respeito à apropriação das características estruturais e linguísticas das diferentes tipologias e géneros textuais. A tarefa consiste na elaboração de um verbete enciclopédico sobre uma espécie animal, com extensão variável entre 100 e 250 palavras, de acordo com o ano de escolaridade para o qual o texto se destina.
Elaboração de um texto biográfico
Os estudantes são desafiados a produzir um texto biográfico sobre uma figura relevante da área da Educação, podendo tratar-se de uma personalidade
histórica, de um docente marcante ou de outra figura inspiradora, ou mesmo a sua autobiografia ficcionada. O texto deverá respeitar as características desta tipologia, como o uso da 3.ª pessoa, a organização cronológica e o foco em eventos significativos no percurso do biografado. A extensão deverá adequar-se ao público-alvo previamente definido.
Elaboração de um cartaz e da respetiva lista de verificação
A produção do cartaz informativo acerca de uma temática de interesse vem no seguimento da explicação, por parte da docente, das diferentes fases que integram a sua elaboração, assim como dos diversos elementos que o compõem, nomeadamente o (sub)título, o slogan, a imagem, o texto argumentativo, as cores e a orientação do cartaz (layout), orientando a conceção do cartaz como produto comunicativo multimodal.
Elaboração de um texto narrativo com recurso a técnicas de escrita lúdica
Recorrendo a uma técnica de escrita lúdica ou criativa, é solicitado aos estudantes que produzam um texto narrativo, selecionando uma das técnicas expostas na componente teórica da aula, a saber: caligrama, lipograma, tautograma, abecedário temático, letra/ palavra/número puxa palavra, X palavras para um texto (a partir de uma lista de palavras, constrói-se um texto), acróstico, imagens que valem mil palavras (descrição de uma imagem), texto fenda e a narrativa com escolha múltipla. Este desafio visa estimular a criatividade.
Elaboração de um texto descritivo
A partir da observação de uma imagem, pintura ou fotografia, os estudantes escrevem um texto descritivo de cariz subjetivo, ativando os sentidos e registando impressões e sensações. Com recurso a um quadro de vocabulário, de estrutura bipartida (verbos e adjetivos), devem registar, de forma expressiva, as sensações experienciadas. Além disso, devem fazer uso das técnicas de observação exploradas na aula.
Elaboração, mediante reescrita, de um ato de texto dramático Após a revisão das características do texto dramático, os estudantes são desafiados a ler uma peça curta interrompida antes do ato final, e a reescrever uma cena desse mesmo ato. Esta proposta requer que se apropriem dos traços formais e estilísticos do género dramático, construindo um final coerente com a progressão da narrativa.
Ao longo das primeiras dez semanas do semestre, os estudantes são, assim, desafiados a responder a diferentes propostas de escrita, explorando uma diversidade de géneros textuais e desenvolvendo competências de planificação, textualização e revisão. A natureza prática destas propostas, aliada ao ciclo contínuo de escrita, visa consolidar o desenvolvimento da competência escrita em contextos autênticos, pedagógica e academicamente relevantes. A ênfase é colocada no processo, ao longo do qual o docente colabora com o aluno na escrita, sendo a revisão entendida como uma orientação para a revisão e para o aperfeiçoamento do texto, configurando-se, desta forma, a escrita como um processo contínuo (Cassany, 1993).
Concluída esta etapa centrada na escrita individual, a unidade curricular transita para uma nova metodologia de trabalho, agora em contexto colaborativo: a elaboração de uma sequência didática num género textual a determinar pelos estudantes. Este trabalho de grupo, que decorre ao longo das últimas semanas do semestre, permite aplicar, de forma integrada, os conhecimentos construídos nas primeiras semanas, articulando-os com os pressupostos teóricos e metodológicos previamente explorados nas sessões teóricas e práticas.

O trabalho de grupo desenvolvido nas semanas finais do semestre consiste na elaboração de uma sequência didática centrada na produção textual, concebida com base nos pressupostos de Barbeiro e Pereira (2007). Os autores definem-na como um“conjunto de actividades
escolares, organizado de forma sistemática com o objectivo de ajudar o aluno a dominar um género de texto para que possa escrever de modo mais adequado numa determinada situação de comunicação” (Barbeiro & Pereira, 2007, p.38), o que implica que o professor estruture o seu trabalho num conjunto de
sessões, com objetivos claramente definidos.
S A B E R & E D U C A R 3 4 ( 1 ) 2 0 2 5 — C A D E R N O T E M Á T I C O : O L U G A R D A ( S ) I N T E L I G Ê N C I A ( S ) – E N T R E O R E L A C I O N A L E O A R T I F I C I A L
Ao propor esta tarefa na unidade curricular de EPP, pretende-se que os estudantes mobilizem o conhecimento construído ao longo das aulas e que o apliquem de forma situada, criativa e intencional, pensando a escrita como objeto de ensino. Espera- se que os estudantes planeiem um percurso que, partindo do diagnóstico de desvios de escrita numa produção escrita de alunos do 1.º ou 2.º CEB, procure, nas suas distintas etapas (módulos) ajudar estes alunos a ultrapassar essas dificuldades, dando visibilidade ao processo de escrita nas suas várias fases — planificação, textualização e revisão (Cassany, 1993). O trabalho é organizado de forma sequencial, garantindo que os alunos, futuros destinatários da sequência, possam ganhar progressiva autonomia na competência da escrita.
Neste processo, é essencial prever mecanismos de auto e corregulação, criando espaços para a revisão colaborativa e para a negociação de critérios de qualidade textual, com vista ao desenvolvimento da competência de escrita. Ao envolver os estudantes em processos colaborativos, cria-se um contexto propício ao desenvolvimento progressivo da autorregulação, favorecendo a construção de uma autonomia crescente no percurso de aprendizagem (Veugen, Gulikers, & Den Brok, 2024).
Ao desenharem esta sequência, os estudantes são convidados a pensar no ensino da escrita como um processo de construção e mediação, e não como uma simples entrega de um produto.
A Figura 2 apresenta esquematicamente a estrutura que os estudantes devem seguir na elaboração da sequência didática.
Fonte: Barbeiro e Pereira (2007, p. 38)
A sequência estrutura-se em três momentos fundamentais: apresentação, módulos de trabalho e produção final. A primeira fase tem como objetivo
apresentar com clareza a tarefa a desenvolver, explicitando o género textual em foco e o produto final esperado. Neste momento inicial, os alunos redigem um primeiro texto, que constitui a produção inicial. Este texto serve um duplo propósito: permite ao professor diagnosticar as competências e dificuldades do(s) aluno(s) da turma, ajustando a sequência às suas necessidades reais; e oferece aos alunos um primeiro contacto prático com o género, ajudando- os a compreender o percurso que irão realizar e as competências em causa.
Seguem-se os módulos, compostos por atividades e exercícios de natureza variada, que incidem sobre diferentes dimensões da escrita identificadas como requerendo algum tipo de intervenção: análise de textos-modelo, autênticos ou de referência, tarefas de escrita orientada, exercícios gramaticais e de vocabulário, organizados por complexidade crescente. Estes módulos assentam em dois princípios orientadores: a diversificação dos modos de trabalho e o trabalho sistemático sobre as várias etapas da produção textual (situação de comunicação, planificação, textualização, revisão). A sequência culmina na produção final, redigida após os módulos, na qual os alunos aplicam os conhecimentos adquiridos. Esta última versão, objeto de avaliação sumativa, deve ser interpretada à luz do processo realizado, reconhecendo os progressos individuais e coletivos alcançados ao longo da sequência.
A sequência didática, apresentada e discutida em grupo, constitui também um momento de síntese das aprendizagens realizadas no âmbito da unidade curricular. Este trabalho coletivo permite aos estudantes consolidarem conhecimentos e experimentarem formas de mediação adequadas ao contexto escolar. É justamente a partir desta base em que a escrita é encarada como processo e como objeto de ensino explícito que se abre espaço para refletirmos sobre as potencialidades do uso pedagógico da inteligência artificial, particularmente na fase da revisão textual.
Reconhecendo o impacto crescente destas ferramentas no percurso académico e profissional, procuramos de seguida refletir sobre a criação de condições para que os estudantes possam explorar o seu potencial de forma crítica, ética e consciente, enquanto instrumentos de apoio ao desenvolvimento da autonomia na produção escrita.
![]()
O potencial mediador da Inteligência Artificial Generativa no processo de produção escrita de estudantes do Ensino Superior
S A B E R & E D U C A R 3 4 ( 1 ) 2 0 2 5 — C A D E R N O T E M Á T I C O : O L U G A R D A ( S ) I N T E L I G Ê N C I A ( S ) – E N T R E O R E L A C I O N A L E O A R T I F I C I A L
A generalização do acesso à IAGen tem vindo, no contexto do Ensino Superior, a constituir um desafio para os professores. Segundo uma recente revisão sistemática da literatura (Ribeiras, Dorotea & Esteves, 2025) tendo por público-alvo docentes e discentes do Ensino Superior, estes últimos parecem aderir com maior recetividade ao uso de ferramentas da IAGen, reconhecendo quer as oportunidades quer os desafios associados, ao passo que os professores parecem mais céticos, temendo sobretudo que uma utilização inadequada destas tecnologias ponha em causa dimensões como a ética, a integridade da avaliação ou a privacidade e segurança. De acordo com esta mesma revisão sistemática da literatura, envolvendo cerca de 2700 discentes e 650 docentes, maioritariamente da América do Norte, Europa e Ásia, “estudantes e professores estão cientes das potencialidades dos LLM e utilizam-nos por curiosidade, para gerar conteúdo, para se inspirar ou desempenhar papéis de tutoria” (Ribeiras, Dorotea, & Esteves, 2025, p.85). Importa não apenas reconhecer esta apetência dos estudantes por tais ferramentas, resultante da acessibilidade, facilidade de utilização e eficácia percecionada das mesmas, mas sobretudo ajudá-los a tomar consciência das mais-valias de uma utilização eticamente refletida, que potencie verdadeiramente quer o seu espírito crítico, quer a sua capacidade de autorregulação na aprendizagem. A exploração destas dimensões junto de discentes do Ensino Superior é particularmente relevante. Alavancada por um nível de desenvolvimento de capacidades cognitivas
mais elaborado, a interação com estas ferramentas pode, efetivamente, consubstanciar o papel de um assistente personalizado ou de um tutor no processo de aprendizagem, desde que os seus utilizadores saibam interagir com as ferramentas de forma a retirar delas o máximo proveito.
Por outro lado, na ótica dos professores, a crescente utilização da IAGen pelos estudantes gera, frequentemente, atitudes díspares, que variam dos sentimentos de indiferença e de negação, passando pela desconfiança até à recusa na sua aceitação. É nossa convicção que ignorar “o elefante na sala” será tão útil, neste processo, como procurar escondê-lo. Não pretendemos, com isto, sugerir que a utilização da IAGen seja sistematicamente fomentada ou admitida. Numa fase em que ainda não parece ser claro até que ponto as ferramentas de IAGen são mais vantajosas do que prejudiciais, importa alguma cautela e equilíbrio na forma como promovemos o recurso a estes instrumentos, nomeadamente ao serviço da escrita dos estudantes. O facto de, em momentos de avaliação final não ser, regra geral, permitido o uso de ferramentas desta natureza é um sinal claro aos estudantes de que estas devem ser entendidas como instrumentos de apoio ao processo de aprendizagem da competência de escrita e não atalhos que o comprometem. Estamos em crer que a solução mais equilibrada passará por apoiar os estudantes, fornecendo-lhes suporte adicional para que possam envolver-se criticamente no processo. Um aspeto parece emergir como convergente na literatura sobre o papel do professor na aprendizagem da escrita: este tem um papel crucial, pelo que deve, naturalmente, contribuir para prevenir os riscos que um uso menos ético da IAGen tem em termos da competência da escrita per se e enquanto ferramenta ao serviço da aprendizagem.
Apesar de o lançamento da primeira versão gratuita de um chatbot de IAGen datar de novembro de 2022, alguns estudos têm já procurado analisar distintas dimensões do impacto da sua utilização, concretamente na escrita dos alunos (Baron, 2023; Black & Tomlinson, 2025; Detrick & Li, 2024; Karanjakwut & Charunsri, 2025; Kim et al., 2024).
Conscientes de que a literatura é ainda controversa sobre o impacto da utilização da inteligência artificial generativa na escrita dos estudantes e que a fronteira é muito ténue entre o seu uso como assistente ou criador, assumiremos que, neste processo, a agência do estudante será sempre essencial. Ainda que auxiliado na organização ou geração de ideias, seja por feedback
ou feedforward, caber-lhe-á sempre a responsabilidade da integração dessas ideias ou sugestões de melhoria, de forma a assegurar a autoria do produto. A título de ilustração, destacamos aqui como, na elaboração de um texto de cariz argumentativo a integrar no portefólio de escrita, o recurso à IAGen na fase da revisão pode contribuir, por exemplo, para sugerir contra-argumentos, em cuja identificação o estudante revela, por vezes, maiores dificuldades, em função das suas crenças sobre o tema em apreciação.
S A B E R & E D U C A R 3 4 ( 1 ) 2 0 2 5 — C A D E R N O T E M Á T I C O : O L U G A R D A ( S ) I N T E L I G Ê N C I A ( S ) – E N T R E O R E L A C I O N A L E O A R T I F I C I A L
A forma como o desafio de escrita é lançado pode igualmente ser determinante para que o estudante possa ser desafiado a envolver-se na proposta de escrita de forma mais pessoal, obviando assim à tendência para recorrer às ferramentas de inteligência artificial. A título de exemplo, assinalamos como, na proposta de escrita de um texto biográfico, optámos por aproveitar o facto de estar calendarizado, para a semana seguinte, o início de mais um período da prática de ensino supervisionada em contexto de 2.º CEB destes estudantes para lhes propor a elaboração da sua própria biografia (ficcionada), com o propósito de se darem a conhecer assim aos seus alunos. Tal estratégia obviou a que os estudantes, podendo optar por elaborar um texto biográfico de personalidades com biografias já disponíveis, tivessem a tentação de se apropriarem, de forma acrítica (plagiando, por vezes), desses textos, o que os motivou para um maior empenho na atividade, por se tratar de uma proposta de escrita significativa e contextualizada, com destinatários reais.
Outra das reflexões que gostaríamos de aqui destacar prende-se com a importância acrescida que a conceção processual da escrita assume nesta nova era marcada pelo acesso gratuito à IAGen, em que a tentação consiste na mera apropriação do produto, desvalorizando a dimensão processual da escrita. As boas práticas do ensino da escrita (e.g., Applebee & Langer, 2015) comprovaram já que a atividade da escrita deve decorrer num processo contínuo, no qual podemos identificar fases sucessivas (planificação, textualização e revisão). Estudos como o de Graham e Perin (2007), por seu turno, têm vindo igualmente a confirmar que os estudantes que se comprometem, no seu processo de escrita, com esta sequência de fases tendem a ter melhores desempenhos do que aqueles que não o fazem, desvalorizando, por exemplo, a fase da planificação ou da revisão.
Quando procuramos identificar em quais destas fases o impacto das ferramentas de IAGen se faz sentir de forma mais acentuada (seja positiva seja
negativamente), concluímos que esse impacto não se fará sentir de modo uniforme em todas elas.
No que diz respeito à fase da planificação, pretende- se que o estudante possa ativar os conhecimentos prévios sobre o tema a desenvolver, sendo a geração de ideias (brainstorming), a criação de mapas mentais ou a identificação de ideias-chave consideradas estratégias relevantes. Se, à partida, é nesta fase que as ferramentas de IAGen poderiam aportar o seu potencial, em termos de alargamento de perspetivas ou da possibilidade de fomentar a criatividade, o estudo de Doshi e Hauser (2024) veio, no entanto, mostrar que o seu impacto sobre a criatividade na fase da planificação textual pode ser contraproducente, na medida em que evidencia que, ainda que ferramentas como o ChatGPT possam, efetivamente, potenciar a criatividade na elaboração de histórias por indivíduos menos criativos, estas ferramentas parecem não ter o mesmo efeito em pessoas criativas. Parecendo ainda pouco claro, na literatura, a forma como a criatividade humana e a IAGen se relacionam, optámos, na metodologia usada nesta UC, por excluir deliberadamente o recurso à IAGen nesta fase inicial (planificação) do processo, em resposta aos desafios de escrita propostos aos estudantes.
Na fase de textualização, considerámos que seria igualmente essencial que os estudantes produzissem uma primeira versão do texto pelos seus próprios meios, pelo que, tal como na fase da planificação, também nesta fase da textualização o recurso às ferramentas de IAGen é excluído. Entendemos que seria contraproducente a integração destas ferramentas nesta fase, sob o risco de estas comprometerem ou mesmo substituírem este passo essencial de formulação do texto inicial.
É na fase seguinte, da revisão, que o potencial pedagógico das ferramentas de IAGen assume, a nosso ver, particular relevo. Pela própria natureza desta fase, a revisão implica a repetição, de forma iterativa, de determinadas etapas ou passos, de modo a melhorar a versão inicial do texto. Na metodologia adotada no âmbito da UC EPP, após a elaboração da planificação e da primeira versão do texto, em sala de aula, os estudantes submetem esses produtos na plataforma Moodle e são desafiados, no tempo previsto para trabalho autónomo, a recorrer a duas ferramentas de IAGen, com vista à melhoria da sua produção escrita. O recurso a duas ferramentas visa que os estudantes se possam aperceber das diferenças resultantes de cada um dos produtos obtidos a partir do mesmo prompt e que, analisando-os comparativamente, possam optar
pelas soluções que entenderem mais adequadas. Usando as ferramentas de registo de alterações bem como de comentário do word, os estudantes são chamados a justificar as suas opções para as diferentes partes do texto, identificando os respetivos prompts, caso tenham optado por incorporar partes do texto produzidas por ferramentas de inteligência artificial. Com a obrigatoriedade do recurso a duas ferramentas, pretende-se assim que os estudantes possam conhecer e refletir sobre as potencialidades de cada uma delas, desmistificando assim a ideia de que os textos produzidos são versões acabadas, não passíveis de ser melhoradas. Dada a variedade de propostas lançadas para efeitos dos produtos a submeter no portefólio, esta metodologia de trabalho sobre a escrita com recurso à mediação de ferramentas de IAGen é trabalhada de forma recorrente sempre que o produto a submeter implicar a elaboração de um texto escrito, mas não necessariamente quando se tratar de outros produtos, como sejam o diagnóstico de desvios ortográficos a partir de uma produção escrita ou a lista de verificação elaborada para o cartaz.
S A B E R & E D U C A R 3 4 ( 1 ) 2 0 2 5 — C A D E R N O T E M Á T I C O : O L U G A R D A ( S ) I N T E L I G Ê N C I A ( S ) – E N T R E O R E L A C I O N A L E O A R T I F I C I A L
Esta metodologia de trabalho promove a capacidade de autorregulação do estudante, bem como o desen- volvimento do seu espírito crítico, ao mesmo tempo que fomenta a utilização ética destas ferramentas, apoiando o estudante na orquestração do seu texto, ao oferecer oportunidade de feedback instantâneo e em permanência. Por seu turno, liberta parcialmente o professor de atividades mais rotineiras, sem que, no entanto, o dispense das funções de feedback formativo e da avaliação. A função mediadora do professor man- tém-se crucial para conceber e conduzir o processo, monitorizar as aprendizagens dos alunos, na procura de equilíbrios na decisão de quando fazer uso do pa- pel e lápis e quando recorrer a ferramentas de IAGen, e para garantir a qualidade do feedback. Acresce que a literatura tem vindo a demonstrar que a qualidade do feedback fornecido por um bom professor é superior à do resultante da IAGen (Steiss et al., 2024), salientando-
-se, de entre os aspetos mais assinalados (igualmente relevantes para efeitos de autoavaliação e heteroava- liação): i) o alinhamento do feedback com os critérios de avaliação definidos previamente para a tarefa; ii) a explicitação de como o estudante pode melhorar;
iii) a precisão e foco nas dimensões mais relevantes.
![]()
Considerações finais
S A B E R & E D U C A R 3 4 ( 1 ) 2 0 2 5 — C A D E R N O T E M Á T I C O : O L U G A R D A ( S ) I N T E L I G Ê N C I A ( S ) – E N T R E O R E L A C I O N A L E O A R T I F I C I A L
A unidade curricular Escrita: Processos e Produtos, tal como aqui apresentada, estrutura-se como uma proposta didática intencionalmente concebida para promover o desenvolvimento da competência de escrita, ancorada numa perspetiva processual da linguagem. Através da articulação entre a prática intensiva, a reflexão metalinguística e o trabalho colaborativo, pretende-se não apenas reforçar o domínio dos géneros e das tipologias textuais mais relevantes no contexto educativo, mas também cultivar nos futuros professores uma consciência pedagógica que os habilite a promover, junto dos seus alunos, práticas sistemáticas de leitura e de escrita.
A diversificação das tarefas, a mediação docente centrada no feedback e o trabalho sequencial, individual e coletivo, da produção inicial à versão final, visam criar um espaço de aprendizagem onde os estudantes possam experimentar, errar, rever e progredir. Assim, esta proposta metodológica combina o potencial de personalização da IAGen com a dimensão relacional e formativa do ensino. Na verdade, é no reconhecimento da complexidade do processo de escrita e na valorização do percurso de cada aluno que esta UC se distingue como um lugar formativo por excelência.
Por fim, reconhecendo os desafios que se colocam à escola atual, desde a heterogeneidade dos perfis de entrada até ao impacto crescente da tecnologia na literacia, a unidade curricular contempla, ainda, a integração pedagógica de ferramentas de Inteligência Artificial. Esta abordagem reforça o compromisso com uma formação atualizada, crítica e responsável, que reconhece o potencial da inteligência artificial generativa no apoio à análise e à revisão textual, sem descurar os princípios éticos e a intencionalidade pedagógica que devem nortear a sua utilização no ensino da escrita.
Partimos, neste texto, da compreensão de que tanto o processo de ensino e aprendizagem da escrita como o uso da Inteligência Artificial são atividades eminentemente relacionais. Se a aprendizagem da competência de escrita é entendida há muito neste sentido de relação com o outro (independentemente de quem for o leitor), no caso da Inteligência Artificial importa ainda mais explorar esta dimensão relacional. O entendimento que aqui pretendemos
assumir é o de que a Inteligência Artificial deve ser compreendida não como o oposto de uma suposta “Inteligência Natural”, mas sim como a antítese do impessoal. Saibamos, pois, aproveitar o que de melhor essa possibilidade de relação com outras ideias e possibilidades de enunciação traz para o processo de escrita, sem cedermos à tentação de, saltando etapas, nos apropriarmos, de forma despersonalizada, dos produtos “fáceis” que a IAGen nos parece poder oferecer.
![]()
Applebee, A. N., & Langer, J. A. (2015). Writing instruc- tion that works: Proven methods for middle and high school classrooms. Teachers College Press.
Barbeiro, L. F., & Pereira, L. A. (2007). O ensino da escri- ta: a dimensão textual. (1.ª ed.). Ministério da Edu- cação. Acesso em 10 de julho. Disponível em: http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Ba- sico/Documentos/ensino_escrita_dimensao_tex- tual.pdf
Baron, N. S. (2023). Who Wrote This? How AI and the Lure of Efficiency Threaten Human Writing. Stanford Univer- sity Press.
Black, R. W., & Tomlinson, B. (2025). University stu- dents describe how they adopt AI for writing and research in a general education course. Scientific Reports,15, 8799. https://doi.org/10.1038/s41598-
Cardoso, A., Costa, M., & Pereira, S. (2002). Para uma tipologia de erros. Ler Educação, 2(2), 5–25.
Carlino, P. (2005). Escribir, leer y aprender en la universidad. Una introducción a la alfabetización académica. Fondo de Cultura Económica.
Cassany, D. (1993). La Cocina de la escritura (9ª ed.). Editorial Anagrama.
Doshi, A. R., & Hauser, O. P. (2024). Generative KI enhances individual creativity but reduces the collective diversity of novel content. Science Advan- ces, 10(28), eadn5290. DOI: 10.1126/sciadv.adn5290
Flower, L., & Hayes, J. R. (1981). A Cognitive Pro- cess Theory of Writing. College Composition and Communication, 32(4), 365–387. https://doi. org/10.2307/356600
Graham, S., & Perin, D. (2007). Writing next: Effective strategies to improve writing of adolescents in middle and high schools – A report to Carnegie Corporation of New York. Alliance for Excellent Education.
Karanjakwut, C., & Charunsri, K. (2025). Transfor- ming ai chatbots for a brainstorming teaching technique of process writing. Malaysian Online Journal of Educational Technology, 13(1), 1–18.
http://dx.doi.org/10.52380/mojet.2025.13.1.559
Kim, J., Yu, S., Detrick, R., & Li, N. (2024). Exploring students’ perspectives on Generative AIassisted academic writing. Education and Information Technologies, 30(1), 1265–1300. https://doi.org/10.1007/s10639-024-
Niza, S. (2005). A escola e o poder discriminatório da escrita. In AAVV., A Língua Portuguesa: presente e fu- turo (pp. 107-127). Fundação Calouste Gulbenkian.
Niza, I., Segura, J., & Mota, I. (2011). Guia de implemen- tação de programa do Português do ensino básico: Escrita. Ministério da Educação, Direção Geral de Inova- ção e de Desenvolvimento Curricular. Acesso em
S A B E R & E D U C A R 3 4 ( 1 ) 2 0 2 5 — C A D E R N O T E M Á T I C O : O L U G A R D A ( S ) I N T E L I G Ê N C I A ( S ) – E N T R E O R E L A C I O N A L E O A R T I F I C I A L
10 de julho. Disponível em: https://www.dge. mec.pt/sites/default/files/ficheiros/escritaorigi- nal.pdf
Rai, H. (2024). Role of Collaborative Learning for De- veloping Speaking Skills of Secondary Level Stu- dents. Gipan, 6, 71–79. https://doi.org/10.3126/gi- pan.v6i1.68136
Ribeiras, C., Dorotea, N., & Esteves, Y. (2005). Uso e perceção de LLM pelos estudantes e professores do Ensino Superior – Revisão Sistemática da Lite- ratura. Revista Lusófona de Educação, 65(65), 85–108.
Sollaci, L. B., & Pereira, M. G. (2004). The introduc- tion, methods, results, and discussion (IMRAD) structure: a fifty-year survey. Journal of the Medical Library Association, 92(3), 364–371.
Steiss, J., Tate, T., Graham, S., Cruz, J., Hebert, M.,
Wang, J., Moon, Y., Tseng, W., Warschauer, M., & Olson, C. B. (2024). Comparing the quality of human and ChatGPT feedback of students’ wri- ting. Learning and Instruction, 91, 101894. https:// doi.org/10.1016/j.learninstruc.2024.101894
Street, B. (2003). What’s “new” in New Literacy Stu- dies? Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, 5(2), 77–91.
Veugen, M., Guliker, J., & Den Brok, P. (2024). Secon- dary School Teachers’ Use of Formative Assess- ment Practice to Create Co-regulated Learning. Journal of Formative Design in Learning, 8, 15 – 38. ht- tps://doi.org/10.1007/s41686-024-00089-9
Zhai, C., Wibowo, S. & Li, L. D. The effects of over-re- liance on AI dialogue systems on students’ cog- nitive abilities: a systematic review. Smart Learn. Environ. 11, 28 (2024). https://doi.org/10.1186/ s40561-024-00316-7
Este trabalho foi financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito dos projetos do CIEC (Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho) com a referência UID/00317/2025.
Agradecemos ainda à Escola Superior de Educação Paula Frassineti pela oportunidade de, no âmbito do serviço docente atribuído, nos ter proporcionado a construção colaborativa desta UC.
S A B E R & E D U C A R 3 4 ( 1 ) 2 0 2 5 — C A D E R N O T E M Á T I C O : O L U G A R D A ( S ) I N T E L I G Ê N C I A ( S ) – E N T R E O R E L A C I O N A L E O A R T I F I C I A L
Na elaboração deste texto, recorremos a duas ferramentas de IAGen: i) (DeepL) para efeitos de tradução do resumo para inglês, sendo o resultado revisto e editado manualmente, e ii) (ChatGPT: GPT-4) para identificação de literatura no domínio em estudo, tendo-se procedido à seleção e respetiva leitura de estudos publicados com revisão por pares.